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A verdade mítica em Vampiro: A Máscara

Grande sucesso entre os jogos de RPG desde os anos 1990, Vampiro: A Máscara foi além das masmorras e dragões. Ele trouxe para os RPGs de mesa um horror gótico pessoal, em que o inimigo é, muitas vezes, o próprio espelho. Mais que um jogo, é um mito moderno, um reflexo escuro da alma humana, com raízes profundas em tradições antigas.

Como afirma Joseph Campbell em O herói de mil faces (1949), o mito não precisa ser factual para ser verdadeiro. Ele é verdadeiro porque revela dimensões ocultas da experiência humana.

Nesse sentido, a história do primeiro vampiro, Caim, também primeiro assassino da humanidade, e de Set, o irmão rebelde do Egito Antigo, são mais do que narrativas ancestrais. Elas são fundações simbólicas de um universo ficcional onde cada jogador encarna uma criatura dividida entre o humano e o monstro.

Essa dimensão simbólica será explorada com mais profundidade nas seções seguintes, especialmente quando discutirmos os paralelos com figuras mitológicas e a construção dos cultos e linhagens vampíricas.

A estrutura do mito: onde Vampiro, A Máscara começa

Em Vampiro: A Máscara, a origem da maldição está no primeiro fratricídio. Caim, aquele que matou seu irmão Abel, foi amaldiçoado por Deus a caminhar pela Terra, sedento de sangue e temido por todos. É esse Caim que, na ficção do jogo, dá origem à linhagem vampírica. Ele é o primeiro de todos. Não por ser um heroi, mas por ser o primeiro a errar de forma definitiva.

Na cosmologia do jogo, Caim não apenas mata, ele se recusa a pedir perdão. E é essa recusa que o condena. O crime não está apenas no sangue derramado, mas na recusa da reconciliação. A partir desse gesto, o mundo se divide entre luz e trevas, e os vampiros nascem como filhos do exílio.

Essas figuras fundadoras não são adoradas, mas lembradas com temor e reverência. O Livro de Nod, uma espécie de escritura sagrada para muitos clãs de Vampiro, A Máscara, descreve a jornada de Caim pelo mundo, sua dor, sua solidão, suas criações e os avisos proféticos sobre a Gehenna (o fim dos tempos vampíricos). Assim, o mito não é passado. Ele é profecia.

Caim e Set: irmãos de maldição

A Bíblia nos apresenta Caim e Abel, os primeiros filhos de Adão e Eva. O Egito Antigo, Osíris e Set, deuses importantes do panteão. Em ambos os mitos, a violência entre irmãos é o ponto de ruptura que muda tudo.

Em Vampiro: A Máscara, essas narrativas dialogam diretamente. Set, no jogo, não é apenas uma figura mitológica, mas a divindade cultuada pelos Seguidores de Set. Eles formam um clã envolto em mistério, corrupção e revelação.

Osíris representa a ordem, a luz, a sabedoria ancestral. Já Set é o caos, o deserto, o que se recusa a se curvar. No universo do jogo, essa oposição entre os dois mitos (Caim/Abel e Set/Osíris) cria um campo simbólico denso, onde o fratricídio é tanto condenação quanto liberdade.

Essa tensão simbólica ressoa nas decisões que os jogadores precisam tomar ao longo das campanhas. Caim e Set, embora distintos em origem e contexto, representam arquétipos similares: figuras que rompem com a ordem estabelecida e pagam um preço alto por sua rebeldia. Em ambos os casos, a violência contra o irmão não é apenas um crime, mas também o início de um novo paradigma, uma ruptura com o mundo anterior.

Narrativamente, esse tipo de estrutura permite que os personagens vampiros vivam dilemas profundos, encenando escolhas morais carregadas de peso mítico. O jogador que interpreta um setita, por exemplo, pode estar em busca de libertação e verdade, mesmo que isso signifique corromper os outros. Já um descendente direto de Caim pode viver o paradoxo entre o desejo de redenção e a tentação do poder absoluto.

Os Seguidores de Set e sua relação com o mito

Os setitas (ou o Ministério, como são chamados na V5) não veem sua adoração a Set como idolatria, mas como libertação. Para eles, o mundo está cego pela hipocrisia. Corromper, seduzir e subverter são formas de abrir os olhos dos demais. Em contraste, os Filhos de Osíris, agora praticamente extintos, buscaram a transcendência, o equilíbrio e a pureza espiritual.

Eles também não aparecem nos livros como um clã formal, mas sim como uma linhagem, o que simbolicamente os posiciona fora da lógica fratricida e hierárquica que caracteriza a maioria dos outros grupos de vampiros. Sua escolha por uma existência apartada e por práticas de iluminação mística reforça essa recusa em participar do ciclo de violência herdado de Caim e Set.

Essa dualidade também aparece no livro suplemento do Sabá, em que a adoração a figuras antigas assume um caráter apocalíptico. Você pode explorar isso em profundidade no livro do Sabá, essencial para quem deseja narrar campanhas com clãs fanáticos e mitos que caminham pela terra.

Para narrar essa história com profundidade, o livro básico de Vampiro: A Máscara V5 é o melhor ponto de partida. Ele custa cerca de R$199,99 e reúne tudo o que é necessário para começar a explorar esse universo de trevas e mitos vivos.

O mito como verdade funcional

Joseph Campbell nos lembra que o mito é verdadeiro porque funciona. Ele nos dá uma estrutura para entender o mundo e nosso lugar nele. Em Vampiro: A Máscara, os mitos não são apenas histórias — são fundações morais, políticas e espirituais.

Os vampiros vivem divididos entre seitas, cultos e crenças. O Sabá, por exemplo, vê Caim como um deus guerreiro e profetiza a Gehenna como o tempo em que os Antediluvianos retornarão para consumir seus filhos.

Os Antediluvianos são figuras quase mitológicas dentro do jogo: cada um deles é considerado o fundador de um dos grandes clãs vampíricos, e seu retorno representa a aniquilação de tudo o que existe. Eles são os filhos diretos de Caim, dotados de um poder incomensurável e uma sede de dominação absoluta.

A noção de “gerações” em Vampiro: A Máscara representa a distância entre um vampiro e Caim. Quanto menor o número da geração, mais próximo ele está da origem da maldição, e mais poder ele possui. Vampiros de gerações mais antigas são raros e temidos, e muitos acreditam que alguns deles já dormem há milênios, enterrados nas profundezas da terra, aguardando o momento de retornar.

O papel da Camarilla

Em oposição ao Sabá, que abraça os mitos e os transforma em ideologia de guerra, está a Camarilla, uma seita que busca preservar a existência vampírica por meio da discrição, da política e da negação dos mitos.

Para a Camarilla, falar abertamente sobre Caim ou os Antediluvianos é fomentar histeria e fanatismo. Suas lideranças preferem ver o Livro de Nod como alegoria e manter a ordem por meio de regras rígidas, como a Máscara, que obriga os vampiros a se esconderem dos olhos humanos.

A tensão entre crença e negação molda profundamente o cenário do jogo. Jogadores que se alinham ao Sabá vivem em constante preparação para o fim do mundo, enquanto os que integram a Camarilla lidam com a hipocrisia e os jogos de poder típicos de uma aristocracia em decadência. A existência dessas seitas, suas filosofias e conflitos, oferecem uma rica base simbólica para campanhas que exploram fé, ceticismo e a fragilidade do equilíbrio entre ordem e caos.

Essa diversidade de interpretações faz do RPG um território fértil para a criação de campanhas densas, cheias de dilemas morais e existenciais. O narrador pode construir histórias em que os mitos sejam verdadeiros, ou apenas armas ideológicas. Em ambos os casos, o que importa é o impacto que eles têm sobre os personagens.

Vampiro V5 e os novos cultos

A quinta edição do jogo, lançada em 2018, trouxe uma nova leitura desses mitos. No livro suplemento Cultos dos Deuses de Sangue, vemos o surgimento de dezenas de novos cultos, cada um com sua interpretação da maldição.

A Igreja de Caim, o Culto da Mãe Sombria, os Sangues de Mithras — todos tentam dar sentido à existência vampírica. Uns pregam o arrependimento, outros o domínio total sobre os mortais. Alguns cultuam entidades cósmicas que podem muito bem ser versões distorcidas de Set, Lilith ou dos próprios Antediluvianos.

Esse pluralismo religioso torna a V5 um espaço ainda mais fértil para campanhas introspectivas e sociológicas. Os jogadores podem interpretar fanáticos, hereges, apóstatas, líderes espirituais ou simples céticos perdidos em meio ao fervor alheio.

Em especial, o suplemento dos Anarchs mostra uma juventude vampírica que rejeita o dogma antigo e busca criar novos caminhos, mas que, ainda assim, tropeça em velhos símbolos e verdades enterradas.

Suplemento essencial para quem deseja aprofundar o universo dos cultos e da fé vampírica, o Culto dos Deuses de Sangue é uma tradução nacional que torna acessível o conteúdo de Cults of the Blood Gods ao público brasileiro. Com ele, você explora seitas místicas, interpreta personagens fanáticos ou espiritualmente despertos, e cria campanhas que tocam as fronteiras entre divindade, loucura e poder.

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Com esses materiais, você poderá mergulhar de cabeça na construção de campanhas simbólicas, mitológicas e emocionalmente impactantes. Os preços descritos neste texto podem sofrer alterações sem aviso prévio.

Leia também: Por que vampiros nunca morrem?

Referências

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Pensamento-Cultrix, 1989.

DAWKINS, Matthew; HITE, Kenneth; REIN·HAGEN, Mark. Vampiro: A Máscara (5ª Edição). São Paulo: Galápagos, 2021.​

DAWKINS, Matthew; HITE, Kenneth; REIN·HAGEN, Mark. Vampiro: A Máscara (5ª Edição) – Cultos dos Deuses de Sangue. São Paulo: Galápagos, 2022.

GALÁPAGOS JOGOS. Vampiro: A Máscara (5ª Edição) – Anarch. São Paulo: Galápagos Jogos, 2022.

GALÁPAGOS JOGOS. Vampiro: A Máscara (5ª Edição) – Escudo do Narrador. São Paulo: Galápagos Jogos, 2021.

GALÁPAGOS JOGOS. Vampiro: A Máscara (5ª Edição) – Sabá. São Paulo: Galápagos Jogos, 2022.

Como citar este artigo? (ABNT)

GREGATTI, André. A verdade mítica em Vampiro: A Máscara, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/mitolofia-e-cultos-em-vampiro-a-mascara-v5/. Publicado em: 12/04/2025.

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