Projeto Héracles: a arma letal de No Time to Die

O ponto alto de um filme do James Bond é, sem dúvida, seu vilão. Em Sem Tempo Para Morrer (2021), o maníaco Lyutsifer Safin (Rami Malek) ameaça Bond, o MI6 e todo o mundo com uma arma biológica de destruição em massa. Esse é o ato final da era Daniel Craig, que renovou não só o personagem, bem como toda a franquia. O enredo retoma as tramas e as armadilhas de ficção científica da Guerra Fria, de uma forma condizente com um filme do James Bond, mas que se aproxima, até mesmo, do Universo Cinemático da Marvel. Além dessas relações, não passou despercebido que o nome da arma vem da mitologia grega. No entanto, se é óbvia a alusão ao mais famoso herói dos mitos gregos, o “Projeto Héracles” esconde a face mais trágica e menos conhecida desse personagem.

O que é o Projeto Héracles?

No centro do plano maligno de Safin há o Projeto Héracles. Esse é o nome de uma poderosa arma biológica, um enxame de nanorrobôs programados com DNA do alvo. Ao menor contato com a pele, os matadores invisíveis entram no corpo e podem infectar e matar. Ainda que seja inofensiva à maioria das pessoas, a arma faz delas vetores, com um toque mortal capaz de matar o alvo ou quem tiver o seu DNA. O filme mostra os efeitos letais dessa arma, conforme ela se espalha entre os membros de uma mesma família. Também revela que novas versões, mais poderosas, podem afetar qualquer um, de indivíduos específicos a etnias inteiras.

Safin quer disseminar Héracles no mundo todo, a fim de purgar a humanidade e eliminar quem ameace seus planos. Para milhões de pessoas, isso significa a morte instantânea e silenciosa. Para James Bond, é uma corrida contra o tempo que o leva a uma verdade inconveniente. A arma foi desenvolvida sob as ordens de M, ou seja, nasceu no coração do próprio MI6 com o propósito e erradicar seus inimigos.

De James Bond à conexão com a Hidra

Foi Andrew Gladman quem fez a relação com a Marvel. Conforme ele sugere, Sem Tempo Para Morrer volta ao território cinematográfico de Capitão América: O Soldado Invernal (2014). Nesse filme, o mundo viu-se à mercê da organização Hidra, cuja atuação o Capitão América (Chris Evans) descobriu em O Primeiro Vingador (2011), ainda na Segunda Guerra. Mas, se proteger o mundo é coisa que Bond e os Vingadores sempre fizeram, as semelhanças entre o plano de Safin e o da Hidra vão ainda mais longe…

Nesse novo filme de James Bond, há muitos ecos da ameaça global que a própria Hidra representa no universo da Marvel. Na sequência de O Primeiro Vingador, a sinistra organização ressurge depois de viver anos nas sombras, agindo de dentro em vários governos e instituições, incluindo a S.H.I.E.L.D. Por meio dessa agência de inteligência e defesa, a Hidra quer dar início ao Projeto Insight. Isto é, com uma frota de porta-aviões voadores fortemente armados, e conectados à rede mundial de satélites de vigilância, pretende erradicar quaisquer ameaças à organização.

Assim como em Sem Tempo Para Morrer, o criador do Project Insight era alguém de dentro. Nesse caso, o próprio líder da S.H.I.E.L.D., Nick Fury, com o propósito de proteger o mundo. Mas a arma também cai nas mãos erradas. Por analogia, o Projeto Héracles é uma versão melhorada do plano da Hidra. Afinal, é a arma de destruição em massa perfeita, que faz da própria humanidade uma bomba-relógio. Com ela, Safin ganhou um lugar de destaque na galeria dos grandes vilões do cinema.

Mas por que Héracles?

Como sabemos, a arma de destruição em massa de Sem Tempo Para Morrer se espalha e mata através do DNA. Nas palavras de Q (Ben Whishaw), Héracles é “eterno”, ou seja, depois do contágio não há como se livrar dos nanorrobôs. Sabemos também que Héracles é o herói mais popular dos mitos gregos. Os Doze Trabalhos, suas aventuras secundárias e outras façanhas pelo mundo fazem parte do imaginário. Nesse sentido, o herói também é eterno. Mas por que a arma tem o seu nome?

A relação está na tragédia de Héracles, cuja primeira esposa morreu pelas suas mãos. O herói matou Megara e seus próprios filhos num surto de loucura induzido pela deusa Hera. Uma crueldade terrível, até mesmo para Hera. Lembre-se que no filme a arma mata através do DNA, e que o medo de James Bond é causar a morte de sua família.

A terceira esposa de Héracles foi Dejanira, com quem teve que cruzar um rio logo depois do casamento. Na travessia, o centauro Nesso se ofereceu para ajudá-la, mas a tentou estuprar. O herói, então, cravou uma flecha envenenada no seu peito. Enquanto morria, Nesso planejou sua vingança. Disse a Dejanira que recolhesse seu sangue (envenenado pela flecha) e o aplicasse nas vestes do marido, a fim de evitar o adultério.

Tempos depois, quando suspeitou que Héracles estava a fim de Íole, Dejanira decidiu acatar Nesso. Então, molhou de sangue a túnica do marido, que, nada sabendo, vestiu-a. Conforme as vestes esquentavam, em contato com o corpo, o veneno exerceu sua ação violenta e atacou a pele. A dor era tão intensa que o herói, em desespero, arremessou seu companheiro Licas ao mar. Foi o contato do veneno com a pele, portanto, que desencadeou a tragédia. Assim como o Projeto Héracles, no filme de James Bond.

Referências

No Time to Die Reworks Hydra’s Deadliest Plot” (CBR, 09/10/2021), de Andrew Gladman.

Saiba mais sobre Hércules:

Hércules no cinema italiano “peplum”

A produção do filme Hércules da Disney

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Projeto Héracles: a arma letal de No Time to Die, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/projeto-heracles-a-arma-letal-de-no-time-to-die/. Acesso em: 29/10/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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