Argos e os seres de muitos olhos na ficção científica

Os seres de muitos olhos assumem diferentes formas na ficção científica, ora com múltiplos pares de órgãos visuais, ora com vários deles espalhados pelo corpo. Nesse gênero, tais seres são frequentemente retratados como alienígenas inteligentes e evoluídos, já que podem ver o mundo de uma forma menos limitada que a nossa. Afinal, têm habilidades ópticas superiores, como o campo visual mais amplo ou a capacidade de ver diferentes espectros de luz. Em alguns casos, têm poderes telepáticos ou psíquicos, que lhes permitem comunicar-se ou interagir com outros seres.

Na ficção científica, os seres de muitos olhos são muitas vezes usados a fim de explorar questões de diferença e alteridade. Isso porque representam algo desconhecido ou estranho, capaz de provocar medo nos personagens humanos. No entanto, também podem ser benevolentes e curiosos, dispostos a se comunicar e cooperar com outras formas de vida. A inspiração para tais seres pode vir dos animais de muitos olhos, os quais de fato existem na natureza, ainda que sejam raros. Mas há também a relação com o Argos Panoptes da mitologia grega. Servo da deusa Hera, esse gigante possuía cem olhos que se espalhavam por todo o corpo. Não por acaso, seu sobrenome, Panoptes, significa “aquele que tudo vê”. Conheça os seres da ficção científica que, assim como Argos, têm muitos olhos!

1. Babylon 5

Na série de TV Babylon 5 (1993-1998), os Vorlons têm aspecto semelhante ao de uma enguia e possuem um traje que os cobre completamente. Sua cabeça é coberta por um capacete com vários olhos, o que faz parecer que olham em todas as direções.

2. StarCraft

Nos games da franquia StarCraft, os Zerg são uma raça de insetos alienígenas com múltiplos olhos, que lhes permitem detectar seus inimigos com mais facilidade. Alguns deles, em certos estágios de desenvolvimento, possuem até 14 olhos.

3. Mass Effect

Já nos games da série Mass Effect, os Protheans são uma raça alienígena extinta que deixou sua tecnologia avançada para trás. Sua imagem icônica inclui dois pares de olhos, que permitem a percepção de diferentes comprimentos de onda de luz. Além da relação com Argos, que se deve aos seus muitos olhos, essa espécie tem um nome derivado do grego protero, que significa “primordial” ou “precursor”; proto, isto é, “primeiro”; ou protean, que vem de Proteu, um deus do mar na mitologia. Ele possuía o dom da metamorfose, podendo transformar-se em tudo o que quisesse.

4. Dr. Who

Na fase clássica da série britânica Dr. Who, os silurianos têm um terceiro olho na testa, que lhes dá poderes psíquicos. No episódio em sete partes, exibido entre janeiro e março de 1970, essa raça de homens répteis emerge de cavernas em Derbyshire. Como espécie, refletem nossa própria suspeita, ódio e insegurança. “Eles só atacam para sobreviver”, conforme revela o Doutor (Jon Pertwee).

5. Franquia Star Wars

Em primeiro plano, vemos três alienígenas de três olhos da raça Gran. Eles estão em uma plataforma flutuante do Senado Galáctico, com trajes de gala. O alienígena do meio está de pé.

Seres de muitos olhos são comuns no RPG e nas mitologias fantásticas, principalmente em Star Wars. Esse é o caso dos Gran, nativos do planeta Malastare que aparecem em vários filmes da franquia, seja como bandidos, políticos ou gente comum. Na figura acima, por exemplo, vemos representantes de Malastare no Senado Galáctico. A cena é de Star Wars, Episódio I: A Ameaça Fantasma (1999).

O spin-off mais recente da franquia introduziu uma nova espécie de alienígena de muitos olhos. Assim como os títulos anteriores, Han Solo: Uma História Star Wars (2018) combina fantasia, western e road movie. Além disso, como não poderia deixar de ser, é rico em referências aos mitos e lendas. O enredo segue os passos do personagem de Harrison Ford na trilogia prólogo, isto é, o contrabandista que Luke Skywalker e Obi-Wan Kenobi contratam. Quem deu vida à versão mais jovem de Han Solo foi Alden Ehrenreich, com direito ao tipo cafajeste que é característico desse personagem.

No filme, há um tributo à cena da cantina de Mos Eisley, das mais famosas do cinema e momento antológico do primeiro Star Wars (1977). Ainda que o antro de jogatina e contrabando seja em outro planeta, não em Tatooine, Solo não perde a chance de apostar tudo o que tem. Faz isso no jogo de cartas “sabacc”, diante dos olhares atentos de vários alienígenas – e dos muitos olhos de um deles, principalmente. Ele é Argus “Seis Olhos” Panox, da raça alienígena Azumel e um exemplar bastante descolado da sua espécie. Sua participação é breve, mas a relação com a mitologia grega não passou despercebida, tanto pelo seu traço marcante, quanto pelo seu nome, que vem de Argos.

6. Final Fantasy

Embora não se trate exatamente de “ficção científica”, Final Fantasy combina elementos do gênero à sua mitologia fantástica, como os seres de muitos olhos. O exemplo mais emblemático é o dos Malboro, seres verdes, enormes e aterrorizantes que figuram entre os vilões mais difíceis da franquia. Eles possuem tentáculos que lembram videiras, uma cabeça semelhante à das anêmonas e bocarras com dentes afiados. Talvez a inspiração para esses monstros venha de moluscos reais, com seus muitos olhos.

7. American Gods

Se o Argos dos mitos era um exímio guardião de cem olhos, seu update na série American Gods é a personificação da vigilância. Ele é, portanto, um deus da tecnologia, cujos olhos são agora as lentes que se espalham pelos Estados Unidos, das câmeras de segurança aos drones. Depois que se aliou aos Novos Deuses, Argos passou a registrar tudo o que vê, como um arquivo-vivo de armazenamento ilimitado. (Vale lembrar que o sobrenome Panoptes significa “aquele que tudo vê”). Contudo, não sabemos se ele pode conectar-se apenas à tecnologia da corporação “Argus”, ou se têm o controle de qualquer dispositivo de vigilância do país. Em resumo, e em contraste com os alienígenas da ficção científica, o Argos de American Gods é uma representação da inteligência artificial.

Referências

Dicionário de mitologia grega e romana (2011), de Pierre Grimal.

https://www.theoi.com/Gigante/GiganteArgosPanoptes.html (Theoi Project).

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Argos e os seres de muitos olhos na ficção científica, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/argos-e-os-seres-de-muitos-olhos-na-ficcao-cientifica/. Acesso em: 31/10/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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