A Serpente de Midgard em God of War (2018)

Dos monstros lendários que vemos em God of War (2018), um dos mais incríveis é certamente a Serpente de Midgard (ou Serpente do Mundo). Ora conhecida como Jörmungandr, ora Miðgarðsormr, ela é um ser ancestral, enorme e venerável, fluente em uma língua morta.

Em contraste com os primeiros títulos da franquia, todos ambientados na Grécia, o novo game é uma viagem pela antiga Escandinávia. Nele, as terras míticas surgem como lugar selvagem de monstros ferozes e guerreiros bárbaros. Esse é o mundo da mitologia nórdica. Afinal, Kratos deixou para trás o mundo grego (ou o que sobrou dele) com o propósito de recomeçar. Mais velho e maduro, anos após destronar os deuses olímpicos, ele busca a redenção enquanto abraça o papel de mentor do filho Atreus. Mas a tragédia ainda o cerca: sabemos que sua esposa morreu logo de início (pouco antes da história do game). O objetivo da jornada de pai e filho é depositar suas cinzas no topo da montanha mais alta.

Quem é a Serpente de Midgard?

De acordo com a língua nórdica antiga, a Serpente era um ser masculino, inimigo dos deuses e agente do caos. Ela e o Lobo (Fenrir) eram irmãos, filhos do semideus Loki com a gigante Angrboða. A terceira filha era Hel, a governante do reino dos mortos. Por meio das artes divinatórias, os deuses previram todas as desgraças que tais seres trariam, por isso lançaram a serpente no oceano.

Embora fosse inicialmente uma ameaça, a Serpente formou o grande equilíbrio cósmico e trouxe estabilidade para as terras e montanhas. A sua função de monstro estabilizador corresponde ao seu nome nas tradições. Jörmungandr significa “vareta enorme” ou, figurativamente, “monstro gigantesco”.

Acreditava-se também que a Serpente confrontaria Thor na planície de Vígrid. A luta ocorreria durante o Ragnarök (o juízo final), onde deuses e monstros cairiam. A Serpente lançaria veneno pelo mundo, então Thor a venceria, mas morreria logo em seguida vítima de sua mordida.

O simbolismo por trás do mito

Decerto não parece estranho que a serpente seja causadora de desgraças. Simbolicamente, ela e o homem são opostos, complementares ou mesmo rivais. Tanto um quanto o outro se distinguem das outras espécies. Se o homem está no fim de um ramo genético, essa criatura fria, sem patas, sem pelos, sem plumas estaria no início desse ramo.

Com o passar do tempo, a Serpente cresceria até envolver o mundo inteiro. Por fim, morderia a própria cauda – imagem do Uróboro, isto é, símbolo da manifestação e da reabsorção cíclica. Ela representa, portanto, a eterna transformação da morte em vida, pois suas presas injetam veneno no próprio corpo.

O Lago dos Nove e o conflito com Thor

Em God of War, a Serpente de Midgard surge misteriosamente no Lago dos Nove. Ela vive no local desde sua luta contra Thor, mas a luta acabou em empate, e desde então ela cresceu até cercar Midgard (terra dos homens na mitologia nórdica). Depois que o deus do trovão e os outros deuses Æsir caçaram seus inimigos, os Jötnar, os sobreviventes fugiram para sua terra natal. Assim, Jörmungandr se tornou um dos últimos gigantes em Midgard. A Serpente passa o tempo dormindo, protegendo o Templo do deus Tyr.

De acordo com a cabeça falante do sábio Mimir, que Kratos leva em seu cinto, e com a profecia do Ragnarök, a Serpente e Thor lutarão de novo. Thor golpeará Jörmungandr com tanta força que a Yggdrasil (imensa árvore, eixo do mundo) vai se quebrar. Por consequência, o monstro será enviado de volta no tempo, à um tempo antes de seu nascimento (o que explicaria sua aparição no lago). “Ela e Thor tiveram uma história desagradável… ou terão, em todo caso”, diz Mimir. Assim sendo, passado, presente e futuro formam um elo contínuo, como o simbolismo de Uróboro.

Referências

Dicionário de símbolos, de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

Dicionário de mitologia nórdica, de Johnni Langer (org.).

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. A Serpente de Midgard em God of War (2018), Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/serpente-de-midgard-em-god-of-war/. Acesso em: 29/03/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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