“E lembrem-se da história de Ícaro, cujo pai lhe deu asas de cera… e advertiu-lhe que não voasse muito perto do Sol. Mas o entusiasmo era grande demais. Então ele voou cada vez mais alto, até o Sol derreter suas asas… e ele caiu no mar. Mas o exército dos Estados Unidos não é um pai irresponsável. Ele nos deu asas para lutar, feitas de aço quente fundido na Pensilvânia”.
Preston Packard.
Em Kong: Ilha da Caveira (2017), quem narra a fábula das asas de Ícaro é o tenente Preston Packard. Faz isso enquanto a sua esquadra de helicópteros cruza uma tempestade elétrica. Sua fala é, sem dúvida, um típico monólogo de Samuel L. Jackson: à prova de tudo, acima do Bem e do Mal.
No filme, Packard comanda um pelotão do exército dos Estados Unidos, recém-retirado do Vietnã em 1973. Sua missão é escoltar cientistas a uma ilha desconhecida, lar do poderoso Kong.
É com o propósito de levantar a moral dos seus homens que Packard fala das asas de Ícaro. Assim, de forma imperativa, resume uma das lendas mais célebres da mitologia grega – e dá um sentido próprio a ela, em tom nacionalista. Vamos recordá-la, pois é tema constante nas artes e na cultura pop.
King Kong está de volta
Filme de aventura e fantasia, Kong: A Ilha da Caveira funciona como prequel e reboot do King Kong, de 1933. A história se passa em 1973, no final da Guerra do Vietnã, quando o governo dos Estados Unidos contrata um grupo de exploradores para mapear uma ilha desconhecida no Pacífico Sul.
No momento em que chegam à ilha, os exploradores descobrem que é o lar de criaturas gigantes e perigosas, como o lendário Kong. Deparam-se também com os povos indígenas locais. Conforme se aventuram, veem-se sob constante ameaça dos famintos e violentos Skullcrawlers (crânios rastejantes), seres pré-históricos e ameaçadores, inimigos naturais do gorila gigante. A batalha entre Kong e os répteis é o clímax do filme, enquanto o grupo luta para sobreviver e escapar da ilha.
Por fim, descobrimos que a ilha é cercada por tempestades; assim, mantém-se incógnita do mundo exterior. Os sobreviventes voltam para casa, mas Kong permanece como guardião desse lugar, que representa o Jardim do Éden. De acordo com o mito hebraico da Criação e o Livro do Gênesis, o Jardim é um paraíso que Deus criou, e depois encarregou a Adão, o homem primordial. A imagem do Jardim, que evoca a ideia de queda do homem, permanece viva nas obras de ficção como símbolo de tentação, orgulho e paraíso perdido. Conforme vemos em Kong, o Éden primordial pode expulsar seus habitantes, caso eles quebrem as regras, ou será corrompido pela humanidade.
A fábula das asas de Ícaro
A fábula de Ícaro conta a tragédia desse personagem. Filho do engenhoso Dédalo, ele fugiu do cativeiro em Creta com as asas que seu pai construiu. Antes de partir, no entanto, Dédalo o advertiu que não voasse muito alto, já que não deveria se aproximar muito do sol. Mas Ícaro, orgulhoso de poder voar, ignorou o conselho e subiu cada vez mais alto. Subiu tanto que a cera derreteu, e ele caiu no mar.
Podemos relacionar essa história ao cinema hollywoodiano de várias maneiras. Por exemplo, há a ideia de que o excesso de ambição pode levar à queda. Em Kong, Preston Packard é o típico personagem que tenta alcançar algo maior do que si próprio, mas acaba enfrentando consequências negativas por causa disso. Essa é uma lição que a fábula de Ícaro pode ensinar aos cineastas e espectadores.
Na antiguidade, os gregos relacionavam a lenda de Ícaro à invenção da vela dos navios. De acordo com algumas versões, Dédalo e Ícaro fugiram de Creta em um barco. Para Packard, o vilão de Kong, eles certamente teriam mais sorte em um helicóptero de carga do exército norte-americano.
Referência
Dicionário de mitologia grega e romana (2011), de Pierre Grimal.
Saiba mais sobre a fábula de Ícaro
David Bowie: reinventando a fábula de Ícaro
Como citar este artigo? (ABNT)
REIS FILHO, L. Asas de Ícaro, feitas de aço, em Kong: Ilha da Caveira, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/asas-de-icaro-em-kong-ilha-caveira/. Acesso em: 03/12/2024.