Damballa: conheça o ritual de Chucky

Em 1988, o cineasta e roteirista Don Mancini deu início ao que viria a ser a famosa franquia Child’s Play (Brinquedo Assassino, no Brasil). Tudo começou quando um serial killer fez um feitiço vodu e transferiu sua alma para um boneco, escapando assim da morte. O boneco, então, começa a matar de forma sanguinária todos que cruzam o seu caminho. A franquia conta hoje com sete filmes, um reboot e produtos em outras mídias. Com o sucesso de Chucky: A Série (2021), os massacres do Brinquedo Assassino continuam. Vamos descobrir o ritual de Damballa e suas origens na religião afro-americana.

Damballa segundo a franquia Brinquedo Assassino

Brinquedo Assassino é um clássico do cinema de horror. O pequeno Andy ganha de sua mãe um simpático boneco, mas ele guarda um segredo sinistro. Seu nome é Chucky, e ele começa a matar as pessoas próximas do garoto, uma a uma. O que move o enredo, por mais estranho e até mesmo hilário que pareça, é o ritual de Damballa, forma misteriosa e proibida de vodu que permitiu a um assassino transferir sua alma para o boneco. Portanto, o filme gira em torno do feitiço e seus resultados sinistros.

O poder vem do vodu

No início do filme, o serial killer e praticante de vodu Charles Lee Ray (o “Estrangulador de Lakeshore”) foge da polícia, que abre fogo contra ele e seu cúmplice. Gravemente ferido e prestes a morrer, Charles invade uma loja de brinquedos. Após jurar vingança, ele usa o poder do amuleto para fazer o feitiço de Damballa, então transfere sua alma para um boneco “Good Guy”. Assim, escapa da morte.

Esta é a premissa de Brinquedo Assassino (1988), primeiro filme da franquia. Nele, o feitiço de Damballa se manifesta na forma de nuvens de tempestade e relâmpagos violentos, que chegam a destruir a loja de brinquedos inteira. Contudo, há regras para esse poder, que as sequências exploram e aprofundam. Logo que toma consciência, Charles descobre que sua alma ficou presa no boneco. Para se libertar, deve possuir aquele para o qual se revelou em primeiro lugar: o menino Andy (Alex Vincent).

Voodoo For Dummies

Em A Noiva de Chucky (Bride of Chucky, 1998), é a ex-namorada e cúmplice de Charles quem faz o feitiço. Ao descobri-lo no manual “Voodoo For Dummies” (vodu para leigos), Tiffany Valentine invoca Damballa para ressuscitar o Brinquedo Assassino. Afinal, está certa de que a alma de Charles ainda vive em Chucky.

De acordo com o manual, há um amuleto místico que, supostamente, ampliaria os poderes do feitiço. Assim, a franquia introduz o “Coração de Damballa”.

Na sequência O Filho de Chucky (Seed of Chucky, 2004), o feitiço de Damballa ressuscita ambos os brinquedos, Chucky e Tiffany. Quem invoca seu poder é Glen, o filho do sádico casal. Porteriormente, Tiffany transfere sua alma para a atriz Jennifer Tilly.

Novas produções, novos poderes

No recente O Culto de Chucky (Cult of Chucky, 2017), o Brinquedo Assassino descobre outro feitiço no site “VoodooForDummies.com”. Assim, é capaz de quebrar sua alma em muitas partes, transferindo-as em seguida para vários receptáculos. Mas seus efeitos variam de acordo com o uso.

Chucky pode tomar posse de diferentes alvos ao mesmo tempo, ou então transferir sua alma definitivamente, deixando o receptáculo original vazio. Além disso, pode possuir corpos humanos. Tiffany também usa o novo feitiço para recuperar a sua boneca.

Em Chucky: A Série (2021), os poderes do Brinquedo Assassino vão muito além do Damballa. Além de invocar o feitiço através do ritual, ele descobre um meio de possuir simultaneamente 72 bonecos “Good Guy”. Para isso, deve corromper uma criança inocente e fazê-la matar por ele. No momento em que isso finalmente ocorre, os 72 bonecos ganham vida como um pequeno exército assassino.

Damballa nas religiões afro-americanas

No vodu haitiano, ou mesmo da Luisiana e de outras vertentes afro-americanas dessa religião, Damballa é o principal de todos os espíritos loa. Por tradição, é uma grande serpente branca originária da cidade de Uidá, na República de Benim (costa ocidental da África).

De acordo com a crença vodu, Damballa é o Pai do Celestial e o criador primeiro de toda a vida no cosmos. Foi ele quem criou os planetas e moldou as colinas e os vales na Terra. Mas, em algumas tradições, ele é a criação original de Deus. Ao trocar a pele da serpente, Damballa criou as águas da terra. Como serpente, ele se move entre ambos os meios, gerando a vida.

Em geral, Damballa é visto como um ser benevolente, paciente, sábio e gentil, mas desapegado e à parte das provações da vida humana. Assim que o incorpora, o praticante rasteja feito serpente, sob um lençol branco que simboliza pureza.

Brinquedo Assassino se apropriou desse elemento-chave do vodu, mas fez isso afastando-o de sua concepção religiosa original. No entanto, como o primeiro filme o representa, o Damballa não é mal por natureza. Isso fica evidente no embate de Chucky com o sacerdote afro-americano. Mal é o próprio Charles, que deturpa o feitiço para benefício próprio, isto é, para continuar vivo.

Referências

The Ashgate Encyclopedia of Literary and Cinematic Monsters (2014), de Jeffrey Andrew Weinstock (ed.).

Haitian Vodou (2012), de Mambo Chita Tann.

Mama Lola: a Vodou Priestess in Brooklyn (1991), de Karen McCarthy Brown.

Child’s Play Wiki (Damballa).

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Damballa: conheça o ritual de Chucky, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/damballa-o-ritual-que-gerou-o-brinquedo-assassino/. Acesso em: 27/04/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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