Jonas é Teseu no labirinto: a mitologia grega em Dark

Jonas é um dos protagonistas da série alemã Dark, da Netflix, com papel de destaque no desenrolar da trama. Em sua jornada para desvendar os mistérios da cidadezinha de Winden, ele adentra na floresta sombria e nas profundezas da caverna, percorrendo com as mãos um fio vermelho.

A simbologia é clara, conforme vimos em “O mito de Ariadne em Dark“. Jonas é representação de Teseu, que entrou no labirinto para derrotar o Minotauro. Hábil em decifrar enigmas, o herói grego teve a ajuda de Ariadne, de quem ganhou um novelo para não se perder. Assim, foi capaz de chegar até o monstro e matá-lo, depois cortou sua cabeça e saiu do labirinto. Anualmente (ou de três em três anos, de acordo com a versão da lenda), sete rapazes e moças atenienses eram oferecidos para o Minotauro, que os devorava. O resultado do ato heroico de Teseu foi quebrar o ciclo de sacrifícios e a própria tradição.

Jonas no labirinto

Na mitologia grega, Teseu é o herói por excelência e equivale ao próprio Héracles. Para o filósofo francês Gilles Deleuze, ele é o “homem sublime” que culminaria na teoria do “homem superior” de Nietzsche. Na obra do pensador alemão, cujas ideias são centrais em Dark, o homem superior levará a humanidade à perfeição. Ele já não precisa de um Deus, pois o que importa para ele são os valores do próprio homem. O ideal religioso é, portanto, substituído pelo conhecimento. Representação de Teseu, Jonas explora o labirinto ou a floresta, que simbolizam o próprio conhecimento.

A mão do menino Jonas em primeiro plano, conferindo o fio vermelho que está preso em uma argola de ferro, dentro da caverna.

De acordo com Deleuze, o fio de Ariadne simboliza a moralidade (os valores e a tradição), que seria um disfarce do ideal religioso. Em Dark, quem segura o fio da moralidade é Martha, cuja função de condutora da trama fica evidente na peça de teatro da escola. Em “Assim foi criado o mundo” (2017), Martha interpreta a personagem mítica e recita um monólogo importante, pois é narração da própria lenda. Ou seja, Martha é Ariadne, não apenas de forma simbólica.

Para pular do ideal religioso para o ideal moral, e deste para o conhecimento, seria necessário uma provação. Por exemplo, matar o touro (que simboliza o peso da vida e as amarras da tradição). Porém, ao mesmo tempo que derrota os monstros e decifra os enigmas, o homem superior ignora o enigma e o monstro que ele próprio é. No centro do labirinto, Jonas é Adam — o monstro “esperando nas sombras”, conforme diz Martha em seu monólogo. Ou seja, Jonas é tanto o herói quanto o vilão da história.

Michael é Egeu, pai de Teseu

As relações de Jonas com Teseu são ainda mais profundas. Após matar o Minotauro e deixar o labirinto com a ajuda de Ariadne, o herói parte com sua amada. Antes, no entanto, ele prometera ao seu pai Egeu trocar as velas de seu navio, de pretas para brancas, caso derrotasse o monstro. Mas se esquece de fazer isso, e o ansioso Egeu, ao ver as velas pretas, pensa que o filho morreu. Ele então se atira no mar.

A conclusão é que o destino dos personagens está interligado, como uma teia. Conforme revelou Martha na peça: um fio vermelho como o sangue liga todas as ações humanas. Jonas também a abandonou, embora tenha se empenhado, assim como Teseu no labirinto, em retornar para salvá-la. Outro exemplo da inevitabilidade do destino é a ideia que plantou na cabeça do pai, no desespero de evitar sua morte. Mas a ideia acabou levando o homem a suicidar-se.

Sempre que tenta mudar os eventos a partir do passado, Jonas é impedido. Voltamos, portanto, ao eterno retorno de Nietzsche: aquilo que acontece é apenas repetição e não pode ser diferente do que já aconteceu. O mundo de Dark é o mundo do eterno retorno, pois não há lugar para a liberdade. As ações humanas não passam de um produto do devir cíclico do cosmos. O devir é o processo de transformação constante pelo qual todas as coisas passam. Em outras palavras, a lição é: não se pode escapar do destino. Como no roteiro da própria série, a história está escrita e os papéis, determinados.

Referências

Diálogo com Nietzsche: ensaios (2010), de Gianni Vattimo.

Dicionário de mitologia grega e romana (2011), de Pierre Grimal.

Dicionário básico de filosofia (1991), de Hilton Japiassu e Danilo Marcondes.

Mistério de Ariadne segundo Nietzsche” (2006), por Gilles Deleuze.

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Jonas é Teseu no labirinto: a mitologia grega em Dark, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/dark-jonas-e-teseu-no-labirinto/. Acesso em: 27/04/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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