O bem contra o mal em Final Fantasy II

Sabemos que a franquia Final Fantasy nasceu como um sucesso em 1987. O jogo de estreia se tornou não apenas um sucesso comercial, mas um marco na história do RPG, pegando a própria Square de surpresa. Por consequência, a empresa decidiu lançar um novo título já no ano seguinte. Mais grandioso e ambicioso, Final Fantasy II (FFII) pôs a narrativa no centro e inovou aspectos da mecânica, com novidades que vieram para ficar. Dentro de uma trama fantástica, já presente no jogo original, a sequência trouxe vários temas da mitologia, outra marca de Final Fantasy. Além deles, conforme veremos, o que move o enredo é a tradicional guerra do bem contra o mal.

O bem contra o mal

Esta é a história de um mundo distante…

Um mundo onde uma paz duradoura de repente desaba. O arrogante Imperador de Palamecia invoca hostes de monstros do Inferno para cumprir seus anseios imperialistas. Deist, Kashuan, Bafsk, Salamand… uma a uma, as cidades e fortalezas caem sob o jugo dos invasores. Apesar de todos os esforços para contê-los, a fortaleza do Castelo de Fynn cai diante da ofensiva do Império. Os rebeldes, então, recuam para a longínqua cidade de Altair.

No reino de Fynn, os jovens Firion, Maria e Guy têm uma amostra da tirania do Imperador, cujo ataque os deixa desabrigados. Seus pais morrem durante a invasão dos monstros do Inferno, que o vilão conjurou com o propósito de dominar o mundo. O resgate dos jovens pela líder rebelde Hilda e pelo mago branco Minwu os joga no centro do conflito com Palamecia. Começa, então, uma dura batalha que força os heróis a lidar com o sacrifício de tantos outros.

Em FFII, temas como o sacrifício e a morte surgem de forma natural — e mais obscura, em contraste com a fábula dos Guerreiros de Luz do título antecessor. Aliás, como sugere a sinopse, a premissa de guerra do bem contra o mal lembra muito a de Star Wars: Uma Nova Esperança (1977). O filme de fantasia espacial foi um estouro dez anos antes e gerou duas sequências nos anos 1980. No jogo, também há elementos de Star Wars: Império Contra-Ataca (1980) e Star Wars: O Retorno de Jedi (1983), com destaque para a figura sombria do Imperador.

Redefinindo o gênero

Lançado em dezembro de 1988, o segundo Final Fantasy não trouxe nenhum personagem do primeiro. Isso foi uma novidade, que assentou outra marca da franquia: as histórias originais, distintas em cada jogo. Ao contrário do antecessor, o conjunto de personagens de FFII cria um tecido narrativo mais forte e coeso. Sobretudo, apresenta-los com biografias e motivações próprias permitiu seu desenvolvimento nessa história do bem contra o mal.

A equipe de criação deu vida ao RPG, ao mesmo tempo que redefiniu o gênero, com o intuito de inovar. A primeira mudança foi introduzir heróis com nomes e traços específicos, o que afetou a mecânica do jogo. Assim, as classes e o sistema de níveis saíram de cena. Os cortes foram necessários, a fim de trazer um sistema de progressão orgânica a partir dos comandos e sua aplicação nas lutas. Por exemplo, os heróis podem usar as mesmas armas e feitiços. De acordo com as habilidades que usam, eles se “especializam”. Ainda que deixe alguns erros (como atacar membros do próprio grupo), o sistema de causa e efeito não prejudica o jogo.

Em FFII há veículos para viajar pelo mundo. Dessa vez, não só barcos e aeronaves, como também o mais importante deles: o chocobo. Grande feito uma avestruz, o pássaro amarelo estreou em grande estilo, como meio de transporte em duas pernas. Na garupa desse curioso animal, o jogador evita os oponentes que surgem aleatoriamente no mapa.

Pela primeira vez, o jogo trouxe o nome “Cid”, que também se tornaria parte da mitologia de Final Fantasy, embora fosse atribuído a personagens distintos nos jogos subsequentes. Em FFII, Cid é um capitão que opera um negócio de transporte aéreo. Logo, como de costume, é um herói especializado em veículos e a tecnologia.

Demônios e outros monstros lendários

No mapa, monstros lendários dividem espaço com outros, próprios da mitologia de Final Fantasy (os Bombs, Malboros e Hecteyes, por exemplo). Eles fazem parte das hostes infernais que o Imperador invoca. Os duendes, ogros e dragões vêm das lendas nórdicas; o golem e o behemot, do judaísmo, e o vampiro, da tradição oral do Leste Europeu; já a quimera vem dos mitos gregos. Assim como a Rainha Lâmia”, que é um chefe na metade do jogo. Na Grécia antiga, de acordo com o folclore, “lâmias” eram os espíritos que matavam crianças, eventualmente devorando-as. Seu nome pode ter origem na demonologia antiga, por analogia com Lamashtu e Lilith, demônios matadores de crianças no folclore mesopotâmico.

Além da lâmia e outros demônios menores, há em FFII os líderes das hostes infernais Belzebu, Gottos e Astaroth, figuras historicamente ligadas ao Diabo. Este, por sua vez, é representado pelo grande vilão do jogo, a raiz de todo o mal. O Imperador vive no Castelo Pandemônio (isto é, a “reunião de todos os demônios”), onde controla os monstros infernais com o intuito de dominar o mundo. Depois que os heróis vencem a guerra do bem contra o mal, o vilão ressuscita das profundezas do submundo como Imperador Sombrio, com poderes espetaculares.

Leia o próximo artigo desta série em Os cristais dos elementos em Final Fantasy III.

Referências

Bestiary (Final Fantasy II) em Final Fantasy Wiki.

Dicionário de mitologia grega e romana (2011), de Pierre Grimal.

Final Fantasy: La leyenda de los cristales (2013), de Pablo Taboada.

Dicionário de símbolos (2020), de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

Final Fantasy Ultimania Archive Volume 1 (2018).

Os monstros da mitologia grega na série de games Final Fantasy, de Lúcio Reis Filho.

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. O bem contra o mal em Final Fantasy II, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/o-bem-contra-o-mal-em-final-fantasy-ii/. Acesso em: 03/05/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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