O que é daemon? Cyberpunk 2077 e o poder do hacking

Bem antes de chegar às lojas, Cyberpunk 2077 já era um sucesso. A grande aposta da CD Projekt é um RPG de mundo aberto que leva o jogador à Night City, metrópole ficcional no Oeste dos Estados Unidos. Sob controle de grandes corporações, esse lugar violento e high-tech traz o melhor da estética cyberpunk, subgênero da ficção científica que nasceu nos anos 1980. Suas principais características são o futuro distópico, a tecnologia avançada, a inteligência artificial e a cibernética. O game nos leva, portanto, a um mundo altamente tecnológico de arranha-céus, letreiros neon e carros voadores, em contraste com um submundo de gangues e violência urbana. Essa, aliás, é uma das ideias centrais do cyberpunk: o progresso tecnológico anda de braços dados com o declínio moral da sociedade. Mas há em Cyberpunk 2077 uma referência à mitologia grega, e junto com ela vem uma pergunta: o que é daemon?

As origens na mitologia grega

Os deuses gregos (theoi) são inegavelmente complexos e têm muitas formas. Por isso, a palavra theos não basta para compreendê-los. A partir de Homero surgiu um outro termo, embora suas origens sejam incertas: daimōn (“δαίμων”). Na Ilíada, por exemplo, os deuses do Monte Olimpo são daimones e um deles, Afrodite, lidera o resgate a Helena sob essa forma. Mas, afinal, o que é daemon? Em primeiro lugar, esse termo não define uma classe específica de seres divinos; tem mais relação com um tipo de atividade. Assim sendo, Daimon é um poder oculto, uma força que impulsiona o indivíduo. Em outras palavras, se a maré está a seu favor, a pessoa age junto ao daimon; do contrário, se opõe a ele.

Nos mitos gregos o termo daimon ou daemon indica não só uma “ponte” entre os deuses e os mortais, como também um “espírito” ou força de inspiração. Posteriormente, a forma latina daemon deu origem à palavra demon na língua inglesa. (Veja o texto sobre o filme de horror Hellraiser II: Renascido das Trevas). A palavra se popularizou na Idade Média, quando era sinônimo de espírito maligno ou “demônio” (em contraste com o significado do termo nas antigas religiões pagãs).

O termo continua bem vivo nos dias de hoje. Seus sentidos originais também sobreviveram, graças à capacidade de diferenciar um espírito mau de outros seres moralmente neutros da religião clássica. Em His Dark Materials (1995-2000), por exemplo, o escritor Phillip Pullman usa a forma daemon. Nessa trilogia (Nas fronteiras do universo, no Brasil), que inclui A Bússola de Ouro e mais dois livros, cada pessoa tem um companheiro animal, que é a personificação de sua alma. Também podemos citar como representações dessas forças os digimons, da popular série japonesa dos anos 1990.

Os hackers e seus daemons

Às vezes, o sentido dos termos muda inesperadamente. Não é incomum os games trazerem as mais livres adaptações de elementos da mitologia, ou darem a eles sentidos totalmente distintos do original. Esse é caso de Cyberpunk 2077. Nele, o jogador assume o papel do mercenário “V”, com habilidades de combate e de hacker. Além dos hacks rápidos (quickhacks), que usa com o intuito de afetar inimigos ou aparelhos, há também aqueles que adotam o termo grego. Mas, afinal, o que é daemon no game? Nada mais que poderosos programas capazes de invadir as redes inimigas e afetar tudo conectado a elas.

Em Cyberpunk 2077, portanto, um dos objetivos é invadir as redes dos inimigos. Concluir o minigame de hacking dá acesso aos daemons de sua escolha. Para destravar daemons mais poderosos, o jogador deve gastar seus pontos na árvore de habilidades. Decerto, os daemons não têm nada de religioso ou sobrenatural nesse contexto high-tech. Mas não deixam de ser um tipo de poder que o jogador usa para avançar na história. Esse poder não passa de diferentes formas de hacking. Nesse sentido, Cyberpunk 2077 mantém a relação do termo grego com um tipo específico de atividade. É interessante notar que o termo de fato existe na computação. Nos sistemas operacionais multitarefa, um daemon é um programa que se executa como processo em segundo plano, fora do controle direto de um usuário interativo.

Para mais informações sobre os daemons em Cyberpunk 2077 e como usá-los, veja o guia da PC Games (em inglês).

Referências

From Bonbon to Cha-cha: Oxford Dictionary of Foreign Words and Phrases (2008), organizado por Andrew Delahunty.

Greek religion (1985), por Walter Burkert.

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. (ed.)O que é daemon? Cyberpunk 2077 e o poder do hacking, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/o-que-e-daemon-cyberpunk-2077-e-o-poder-do-hacking/. Acesso em: 18/04/2025.

André Gregatti

André Gregatti

André é um entusiasta de Games e Ficção Científica desde muito cedo. Ele conquistou seu diploma de graduação em História na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e aprofundou-se no universo dos jogos como especialista em Game Design pela Michigan State University (MSU). Impulsionado por sua paixão pelos jogos, André canaliza seu conhecimento no blog Arte do Game, onde desvenda os aspectos fundamentais do design em jogos notáveis. No trabalho de conclusão de sua graduação, André explorou as representações do tempo em Doctor Who, uma série pela qual nutre uma devoção duradoura. Esse estudo demonstra sua habilidade em mesclar seu amor pela história com sua paixão por Ficção Científica, agregando uma perspectiva única ao seu percurso acadêmico.
André Gregatti

André Gregatti

André é um entusiasta de Games e Ficção Científica desde muito cedo. Ele conquistou seu diploma de graduação em História na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e aprofundou-se no universo dos jogos como especialista em Game Design pela Michigan State University (MSU). Impulsionado por sua paixão pelos jogos, André canaliza seu conhecimento no blog Arte do Game, onde desvenda os aspectos fundamentais do design em jogos notáveis. No trabalho de conclusão de sua graduação, André explorou as representações do tempo em Doctor Who, uma série pela qual nutre uma devoção duradoura. Esse estudo demonstra sua habilidade em mesclar seu amor pela história com sua paixão por Ficção Científica, agregando uma perspectiva única ao seu percurso acadêmico.

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