Os Três Deuses Guerreiros de Final Fantasy VI

Muitos consideram Final Fantasy VI (FFVI) a primeira obra-prima da franquia, aquela enfim subiria o monte Olimpo da indústria dos games com seu lançamento em 1994. Inovador pela mistura de fantasia e ficção científica, o jogo evoca a mitologia, tanto quanto seus predecessores. Mas, além dos monstros habituais, também inclui o simbolismo da tríade. Veja abaixo quem são os Três Deuses Guerreiros, após relembrar o capítulo seis da aclamada franquia de RPG.

Ferro, pólvora e magia: a trama de FFVI

Num mundo onde humanos e seres mágicos vivem em paz, o Império de Gestahl escraviza tais seres, os espers, para extrair deles seu poder. Seu objetivo é travar uma guerra, mas acaba devastando o planeta. Com isso, os sobreviventes da misteriosa raça se exilam em seu próprio reino. A magia, então, some do mundo e vira objeto de mitos e lendas…

Mil anos depois, a guerra volta a assolar a terra. O ar denso tem cheiro de ferro e pólvora. Os motores a vapor trouxeram um renascimento tecnológico. Nesse ínterim, o Império revive a magia a fim de levar a cabo seus planos de conquista. Com ela, vence os reinos vizinhos, mas nem todos aceitam se curvar pacificamente.

FFVI segue os passos da feiticeira Terra, filha de esper e humano, e do caçador de tesouros Locke. Junto dos Retornados (a resistência), eles lutam não só para salvar o mundo, opondo-se ao regime opressor, bem como para desvendar a razão de sua existência. O choque dessas duas forças arrastará os espers de volta ao páreo, conforme as ameaças ao mundo crescem e as forças imperiais dobram suas apostas.

Entre a ficção científica e a fantasia

FFVI traz temas da literatura steampunk, com as enormes máquinas a vapor à serviço de grandes reinos. Nesse gênero da ficção científica, cuja estética e tecnologia se inspiram nas máquinas fabris do século XIX, o vapor é a principal fonte de energia. Com efeito, os cenários são os de um mundo que a ciência, a revolução industrial e a exploração corromperam. O prólogo define o tom adulto e sombrio do jogo.

Além dos elementos retrofuturistas, a magia também faz parte do mundo de FFVI, que funciona em um contexto de fantasia medieval padrão. Ela emana dos Três Deuses Guerreiros, que criaram os espers. Também há inúmeras alusões aos mitos e seus símbolos, como é de praxe na série Final Fantasy.

Em termos de jogo, FFVI não criou nada inegavelmente novo. Na verdade, juntou o que havia de melhor na franquia até então. Como resultado, redefiniu o RPG e encerrou sua fase “clássica”. Numa clara evolução dos predecessores, afiou o gênero e refinou a trama, até que a jogabilidade a completasse, não o inverso. A Square decidiu apostar nessa abordagem. Daí em diante, passou a criar a história com base em mecânicas pré-existentes e a investir nos personagens. FFVI deixou elementos reconhecíveis nos jogos posteriores da franquia, principalmente em FFIX, com destaque para o mundo steampunk com suas naves voadoras e o visual dos magos, versões em 16 bits de Vivi e da princesa Garnet.

Número recorde de personagens

Da franquia, FFVI é o título com mais personagens controláveis. Ao invés de um protagonista, há um número recorde de catorze heróis que, juntos, constroem uma trama cativante. De fato, eles a enriquecem de um modo que antes não seria possível. Suas tramas particulares vão se amarrando no decorrer da história. Isso faz de FFVI o ponto de maturidade da saga — ao mesmo tempo que fecha um ciclo, como vimos antes. Por questões narrativas, os membros da equipe se revezam (fora aqueles que, eventualmente, unem-se ao grupo de forma fixa).

O sistema de combate é muito similar ao dos primeiros jogos. Os inimigos em geral vêm do canto esquerdo da tela, mas também podem surgir da direita, para emboscar os heróis. Já os espers são as invocações que ajudam em combate, uma única vez. Além disso, talvez o melhor de FFVI seja a possibilidade de equipar os heróis (com relíquias raras, inclusive). Assim, aprendem técnicas com MP (Magic Power ou Pontos de Magia). À exceção das técnicas exclusivas de certas classes, os personagens têm acesso a todas elas.

Os Três Deuses Guerreiros

Em FFVI, alguns espers são seres lendários. Por exemplo, Odin, Midgarsormr, Fenrir, Valigarmanda, Gilgamesh, o Golem, a Fênix e a Sereia. Além desses e de outros monstros, como a quimera, os dragões e Pandora (que no jogo é uma caixa com braços), há um importante elo do jogo com a mitologia.

Os espers são obra dos Três Deuses Guerreiros, isto é, o Espírito Maligno, o Demônio e a Deusa. Segundo as lendas que envolvem a trama, eles desceram do céu e travaram uma guerra, pois temiam um ao outro. Dessa luta cósmica surgiram os seres mágicos, que passaram a servi-los. Essa história é inegavelmente um mito de criação. Além disso, como se nota, tem relação com a tríade, ou grupo de três, muito presente nos mitos e religiões ao redor do mundo.

Por exemplo, na mitologia japonesa há os deuses Amaterasu (deus do sol), Susanoo (deus das tempestades) e Tsukuyomi (deus da lua). Os três nasceram dos olhos e do nariz de Izanagi (o criador de todas as coisas) enquanto ele se banhava — após resgatar sua esposa, a deusa Izanami, do submundo.

De fato, em todas as tradições religiosas há tríades, que simbolizam as forças primordiais. Nos mitos gregos, esse é o caso de Hera (rainha dos deuses), Atena (deusa da sabedoria) e Afrodite (deusa do amor e da beleza). Por sua vez, a Trindade cristã refere-se a um só Deus em três Pessoas, o Pai (poder), o Filho (inteligência) e o Espírito Santo (amor). Em geral, as tríades simbolizam as principais manifestações do poder divino.

Leia o próximo artigo desta série em Final Fantasy VII: 25 anos de uma obra-prima.

Referências

Bestiary (Final Fantasy VI) em Final Fantasy Wiki.

Dicionário de mitologia grega e romana (2011), de Pierre Grimal.

Final Fantasy: La leyenda de los cristales (2013), de Pablo Taboada.

Dicionário de símbolos (2020), de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

Final Fantasy Ultimania Archive Volume 1 (2018).

Os monstros da mitologia grega na série de games Final Fantasy, de Lúcio Reis Filho.

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Os Três Deuses Guerreiros de Final Fantasy VI, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/os-tres-deuses-guerreiros-de-final-fantasy-vi/. Acesso em: 02/11/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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