Paragon e as deusas gregas: O Clube da Meia-Noite

Adaptação da obra de Christopher Pike, O Clube da Meia-Noite narra o drama de adolescentes que partilham a mesma dor. Todos têm doenças terminais, e decidem viver seus últimos dias em uma casa de repouso. A protagonista é Ilonka (Iman Benson), aluna de ensino médio cujos sonhos de estudar em Stanford são interrompidos assim que descobre um câncer na tireoide. Arrasada, a garota muda-se para o Lar Brightcliffe, onde começa uma nova vida. Lá, descobre o Clube da Meia-Noite: grupo de jovens que se reúnem na biblioteca, noite após noite, para contar histórias de horror.

A série da Netflix aborda a morte prematura, sempre à espreita, e a tradição de contar histórias. Afinal, histórias são tudo o que somos, no fim. Esta frase de Ilonka refere-se não só à vida, bem como à própria narrativa – é a sua espinha dorsal. Com os dias contados, os adolescentes juntam-se numa rede de solidariedade e vivem através das histórias. Num gesto de afeto, juram mandar sinais do outro lado depois que partirem. Além disso, descobrem que o Lar guarda muitos segredos. O Culto de Paragon, por exemplo. De inspiração na mitologia grega, a seita pagã que se reunia no porão é um elemento-chave para o enredo. Mas o que significa? Qual sua relação com as deusas gregas?

A história do Culto de Paragon

Brightcliffe data de início do século XX. A Dra. Georgina Stanton (Heather Langenkamp) comprou a mansão em 1966, e fez dela um Lar de repouso para jovens. Nesse ínterim, muitas coisas ocorreram. Conforme descobriu Ilonka, a casa foi uma clínica de reabilitação nos anos 1930, durante a Grande Depressão. Em seguida, nos anos 1940, virou sede de um novo movimento religioso. Após perder o marido e o filho para uma doença, Regina Ballard (Katie Parker) mudou-se com a filha Atena e alguns seguidores para a casa, onde fundou o grupo de medicina alternativa Paragon.

A princípio, Paragon reunia adeptos de métodos dos cura não-convencionais, gente que perdeu a fé na ciência. Seu nome vem do termo inglês que significa “pessoa ou coisa tida como exemplo perfeito de uma qualidade particular”. O grupo era, portanto, para notáveis. Contudo, seus objetivos mudaram com o passar do tempo. Regina tinha obsessão pelas deusas gregas, de tal forma que deu à filha o nome da deusa da sabedoria – também associada à cura (Atena Paiônia). Por fim, criou um culto às cinco filhas de Asclépio, o deus grego da medicina. A mulher adotou o nome Aceso, em homenagem à deusa da cura, e outras cultistas assumiram o papel das suas irmãs. Vamos conhecer cada uma delas!

As cinco deusas gregas

Filho de Apolo, Asclépio é o herói e o deus da medicina. Na Grécia antiga, seu culto se fixou principalmente no Peloponeso, onde surgiu uma verdadeira escola de medicina. Suas práticas eram sobretudo mágicas, mas abriram caminho para métodos mais científicos. De acordo com as lendas, ele aprendeu medicina com o pai do centauro Quíron, e logo ganhou destreza nessa arte. Descobriu, até mesmo, o meio de ressuscitar os mortos. Posteriormente, versões da lenda diziam que Asclépio teve cinco filhas. Elas são as deusas que inspiraram o Culto de Paragon:

Aceso

Deusa da cura (das doenças e feridas). Em contraste com sua irmã Panaceia, Aceso (ou Akeso) representava o processo de cura ao invés da cura em si. Seu homólogo masculino era Acesis (ou Akesis). Em relevos de escultura gregos, Aceso está sempre ao lado do pai e das irmãs.

Egle (Aigle)

Egle era auxiliar de seu pai, Asclépio. Diz-se que seu nome deriva de “brilho” ou “esplendor”, isto é, da beleza do corpo humano quando goza de boa saúde, e da honra que se presta à profissão médica. É, portanto, a deusa da saúde boa e esplendorosa.

Hígia (Hygeia)

Além de auxiliar seu pai, Hígia era acompanhante da deusa Afrodite. Na escultura clássica, tinha a forma de mulher com uma grande serpente (símbolo do deus da medicina) nos braços. Era a deusa da saúde e da higiene.

Panaceia (Panakeia)

Seu nome significa “cura universal”, o que a deusa de fato simbolizava. Ao lado de seu pai, Panaceia produzia a cura a partir das plantas, remédios, pomadas e outros curativos.

Iaso

Deusa dos remédios e métodos de cura, seu culto girava em torno do processo de recuperação.

O fim do Culto

Através do culto às cinco irmãs, Aceso pretendia não só curar doenças, bem como atingir a imortalidade. Daí o símbolo do Culto de Paragon, que é a ampulheta. Ela significa o fluxo do tempo, que se conclui, no ciclo humano, pela morte. Significa também a possibilidade de reverter o tempo, ou seja, de voltar às origens. Contudo, os métodos de Acesso incomodaram alguns seguidores, inclusive sua filha. No momento em que vê a mãe cruzar a linha e fazer sacrifícios de sangue, Atena reúne as demais crianças e foge; então, chama a polícia, que acha todos os cultistas mortos no porão da casa.

Do ritual, com o propósito de chamar a atenção das deusas gregas, Aceso foi a única sobrevivente. A mulher disse ter confundido as ervas – vale lembrar que o termo pharmakon significava, para os gregos, tanto remédio quanto veneno –, mas sua filha não acreditou. Já que o real objetivo dos sacrifícios, para Atena, era a vida eterna. A tragédia de Brightcliffe fez o Culto de Paragon desaparecer, até que Ilonka o descobriu. Os meios podem não justificar os fins, mas a chance de cura é um sopro de esperança para a garota e seus amigos. Por isso, eles mergulham cada vez mais fundo nos mistérios do Culto.

Referências

Dicionário de símbolos (2020), de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

Dicionário de Mitologia Grega e Romana (2010), de Pierre Grimal.

What Is the Paragon Cult in ‘The Midnight Club’? (Collider, 13/10/2022), por Elisa Guimarães.

Theoi Project (https://www.theoi.com/).

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Paragon e as deusas gregas: O Clube da Meia-Noite, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/paragon-e-as-deusas-gregas-o-clube-da-meia-noite/. Acesso em: 29/04/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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