Rainha Elizabeth II: ícone onipresente da cultura pop

Certa vez, Andy Warhol disse: “Quero ser tão famoso quanto a Rainha da Inglaterra”. Então, o pai da Pop Art homenageou a monarca em 1985, na série de serigrafias Reigning Queens. De fato, a Rainha Elizabeth II era inegavelmente o rosto mais famoso do planeta quando morreu aos 96 anos, em 8 de setembro de 2022. Desde que subiu ao trono, e nos 70 anos de seu reinado, ela se tornou “um tipo de esfinge britânica”, “um totem icônico instantaneamente reconhecível por gerações em todos os continentes”, escreveu Julie Miller para a Vanity Fair. Símbolo de estabilidade e soft power, a Rainha virou um ícone da cultura pop, com inúmeras referências a ela – sem dúvida, mais do que qualquer pessoa em vida.

Abaixo, vamos relembrar algumas representações dessa figura onipresente. Também vamos descobrir como a Rainha Elizabeth II encarna, ao mesmo tempo, o mito do bom monarca.

O simbolismo da Ponte de Londres

A Ponte de Londres caiu. Foram estas palavras que chegaram à Primeira-Ministra britânica na tarde de 8 de setembro. Dois dias após sua nomeação, a chefe de estado Liz Truss teve que lidar com o código e a cifra. Sua Majestade, a Rainha Elizabeth II, acabara de morrer pacificamente no Castelo de Balmoral, na Escócia. Assim chegou ao fim a segunda era elisabetana da Inglaterra, encerrando o reinado mais duradouro da sua história. Os protocolos tiveram início, com a nação em luto oficial.

Mas por que se referiam à Rainha como A Ponte de Londres? Acontece que, desde o século XX, tornou-se regra dar “codinomes” aos membros da família real. Essa prática começou com o propósito de informar os círculos internos na ocasião de sua morte, antes do anúncio público oficial. O costume é usar nomes de pontes ou monumentos importantes do Reino Unido. Quando o rei George VI morreu em 1952, por exemplo, chegou ao alto escalão o termo “Hyde Park Corner”. No caso do príncipe Philip, Duque de Edimburgo e consorte da Rainha Elizabeth II, sua morte em 2021 iniciou a “operação Ponte de Forth”.

Apesar do uso prático desses apelidos, que dão à morte um ar de operação secreta e fazem dela um evento, o simbolismo da ponte é universal. Ela significa a passagem de uma margem à outra. Em outras palavras, é a passagem da terra ao Céu, do estado humano ao supra-humano, da fragilidade à imortalidade. Não por acaso, diversas lendas europeias falam de pontes. Além disso, o título de Pontifex do imperador romano e do Papa significa “construtor de pontes”. Nesse sentido, o Pontífice é tanto o construtor quanto a própria ponte; ou seja, é o mediador entre o Céu e a terra.

O mito do bom monarca

De acordo com Serge Schmemann, a Rainha Elizabeth II encarnou o “mito do bom monarca” de forma graciosa e convincente. Nesse caso, “mito” que dizer “fábula”, “invenção” ou mesmo “ficção”. O sentido do termo é, portanto, diferente de como os povos arcaicos o entendiam. (Para eles, os mitos eram “histórias verdadeiras” e, ademais, extremamente preciosas por seu caráter sagrado, exemplar e significativo). Afinal, para as monarquias hereditárias funcionarem nas democracias, exige-se que os cidadãos aceitem uma boa dose de ficção. Em outras palavras, deve-se acreditar que uma pessoa e sua família, acima da política, são capazes de representar a nação e seus valores.

A mística do monarca vem do passado, de um tempo em que seu papel e dignidade ainda pareciam relevantes e evidentes. O ex-premiê Winston Churchill, por exemplo, exaltava o soberano como “o esplendor de nossa herança política e moral”. Também ecoa a teoria dos dois corpos do rei, isto é, a ideia de que o rei tem um corpo “natural” e um corpo místico e imortal. O primeiro surge das fragilidades do agir e do pensar humanos. O segundo é o corpo místico e político do rei, que se forma a partir dos valores de verdade, legitimidade e eternidade. Não surpreendentemente, nosso primeiro contato com a ideia de governo vem, muitas vezes, dos reis bons e justos dos contos de fadas.

A construção de uma Rainha

Sem dúvida, a figura mítica do monarca se põe como superior à crueldade do mundo comum e ao caos dos meios políticos. E, de fato, a imagem serena, gentil e sóbria da Rainha Elizabeth II não apenas simbolizou os tempos de glória do império britânico, como também ajudou a encobrir os seus horrores no mundo pós-colonial e pós-imperial do século XX. Vale recordar o seu primeiro discurso, de 21 de abril de 1947. A então princesa Elizabeth tinha apenas vinte e um anos e viajava com sua família pela África do Sul (que, na época, ainda era uma colônia britânica).

Declaro diante de todos vocês que toda a minha vida, seja longa ou curta, será dedicada ao seu serviço e ao serviço de nossa grande família imperial, à qual todos pertencemos.

Desde sua coroação, a imagem da Rainha Elizabeth II foi amplamente divulgada – nos desfiles, cerimônias e rituais, políticos e religiosos –, acompanhando o desenvolvimento dos novos meios de comunicação de massa, como a TV. Sua imagem tornou-se, assim, onipresente, o que fez dela um ícone da cultura pop. Os Beatles têm várias referências à Rainha em sua discografia: nas canções “Penny Lane”, “For You Blue” e “Mean Mr Mustard”, por exemplo, e na capa do Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band (1967). Mas a Rainha, aparentemente, só abraçou seu status de celebridade depois que se tornou musa de Andy Warhol. Ela comprou os quatro retratos para sua coleção particular e os exibiu no Castelo de Windsor.

A Rainha Elizabeth II na cultura pop

Diferentes atrizes deram vida à Rainha no cinema e na TV. Tantas outras são as menções a ela, que incluem os filmes da franquia James Bond, as artes e a música, com destaque para o rock ‘n’ roll. Mais recentemente, em 2006, teve início a era de homenagens de Peter Morgan. O roteirista e dramaturgo britânico começou sua carreira com o drama biográfico A Rainha, que partiu de rumores sobre o que ocorria atrás das portas do palácio real. A atriz veterana Helen Mirren estrelou como a protagonista, o que lhe rendeu um Oscar e elogios de Sua Majestade. O filme, que mescla fatos e ficção, imagina como a Rainha Elizabeth II lidou com a trágica morte da princesa Diana.

Morgan também está à frente de The Crown, série que tem a assistência de consultores históricos e de etiqueta. Nessa produção da Netflix, Claire Foy e Olivia Colman vivem a Rainha no início e no meio de seu reinado, respectivamente. A quinta temporada está a caminho, com Imelda Staunton no papel de uma Rainha já na terceira idade, ou seja, mais próxima daquela que conhecemos. Tudo isso antes de Sua Majestade tomar chá com o simpático urso Paddington.

Referências

Dicionário de símbolos (2020), de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

Os Dois corpos do rei: um estudo sobre teologia politica medieval (1998), de Ernst Kantorowicz.

Mito e realidade (1972), de Mircea Eliade.

A Woman Who Embodied the Myth of the Good Monarch, por Serge Schmemann (The New York Times, 09/09/22).

Queen Elizabeth in Pop Culture: A History, por Julie Miller (Vanity Fair, 08/09/2022). Em: https://www.vanityfair.com/style/2022/09/queen-elizabeth-in-pop-culture-a-history.

Queen Elizabeth II, Britain’s longest-reigning monarch, dies aged 96 (The Guardian, 08/09/2022).

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Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Rainha Elizabeth II: ícone onipresente da cultura pop, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/rainha-elizabeth-ii-icone-da-cultura-pop/. Acesso em: 21/11/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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