A mitologia em Final Fantasy: origens do cristal

O fim dos anos 1980 viu nascer a moderna indústria dos games. Naquele contexto, em que o Japão liderou uma revolução tecnológica, Hironobu Sakaguchi e sua equipe deram à luz a um ícone do RPG. Final Fantasy surgiu em 1987, tornou-se um marco do gênero e uma franquia de sucesso. A série conta hoje com quinze games principais, criados pela companhia japonesa Square para várias plataformas. Embora tenham personagens e mundos distintos, há características próprias que definem esses games. Por exemplo, os temas fantásticos e medievais, com magos e cavaleiros, ou futuristas, com aeronaves e artefatos tecnológicos, bem como o sistema de trabalho e as habilidades de cada personagem. Muitos desses temas vêm dos mitos e lendas de várias culturas, conforme vamos descobrir nesta série sobre a mitologia em Final Fantasy. Vamos, então, à origem de tudo!

O nascimento de um ícone: a história de Final Fantasy

E assim, sua jornada começa…

Com uma trama épica permeada de magia, Final Fantasy foi um marco. A história do jogo original se passa num mundo de três continentes, regido pelos cristais de terra, fogo, água e ar. Séculos antes, os habitantes de Lufenia usaram o cristal de ar para fazer aeronaves e a fortaleza voadora, mas sucumbiram quando ele obscureceu. Posteriormente, o cristal da água teve o mesmo fim, depois os de terra e fogo, e o mundo mergulhou nas trevas.

Conforme rezava a profecia do sábio Lukahn, quatro Guerreiros da Luz viriam para iluminar o mundo. A história tem início quando os guerreiros chegam a Cornelia, onde, após vencerem Garland e salvarem a princesa Sara, seguem um destino incerto. Eles embarcam numa jornada para restaurar o brilho dos cristais e a paz no mundo.

Em Final Fantasy, encontros com seres da mitologia são constantes. Conforme vencem monstros pelo mapa, os heróis sobem de nível, ficam mais fortes e ganham pontos de experiência. Também juntam guiles, a moeda de seu mundo. Depois de falar com o Rei dos Dragões Bahamut, conseguem subir de classe: o mago negro vira feiticeiro negro, por exemplo. A personalização se estende para as armas e trajes, que o jogador pode trocar. Por sua vez, os personagens não controláveis enriquecem a história e fornecem dados extras.

A revolução dos RPGs

O primeiro Final Fantasy foi um grande salto na evolução dos RPGs. Com uma narrativa dramática, batalhas laterais, sistema de trabalho e classes, Sakaguchi e sua equipe fizeram um jogo ao mesmo tempo profundo e personalizável. Embora o jogador não pudesse criar seus heróis, devido às limitações técnicas da época, podia dar nome a quatro deles — de um total de seis. Eram todos estereótipos das tradicionais classes do RPG: Guerreiro, Ladrão, Monge, Mago Vermelho, Mago Branco e Mago Negro. A escolha não afetava a história, já que a personalidade dos personagens ainda não era bem desenvolvida. Não dá para dizer o mesmo do vilão Garland, um cavaleiro de Cornelia com a aspiração de tornar-se um deus. De longe, ele é o personagem mais complexo do jogo.

Lançado para os consoles Famicon e Nintendo Entertainment System (NES), Final Fantasy trouxe pela primeira vez grupos de heróis e vilões que se opõem na tela (nove destes frente a quatro daqueles). Aos moldes do RPG Dungeons & Dragons, incluiu vantagens e fraquezas, ou seja, certos poderes sendo fortes ou fracos em relação a outros. Por exemplo, a magia de fogo supera a magia de gelo, vantagem ligada à própria natureza física dos elementos. Esse aspecto redefiniu o sistema de habilidades de acordo com as classes de cada personagem. Basicamente, elas se dividem em dois grupos: magia branca (cura) e magia negra (fogo, gelo, choque, etc.).

Os cristais e a dualidade universal

Substância sagrada para muitas culturas, o cristal é um embrião que nasce da terra. Nos mitos, é símbolo da adivinhação, da sabedoria e dos poderes misteriosos. Entre vários povos, é talismã que leva à percepção do invisível em virtude das propriedades. Em princípio, a franquia gira em torno dessas pedras mágicas, que viraram símbolo de Final Fantasy dada sua relação com a mitologia. No jogo original, como nos títulos seguintes, os cristais simbolizam os quatro elementos num mundo envolto pelas trevas.

Sem o brilho dos cristais, os ventos se foram, os mares rugiram e a terra se arruinou. No entanto, apesar dos horrores que se espraiam, uma profecia aguarda. “Quando a escuridão cobrir o mundo, quatro Guerreiros da Luz virão”. O povo depositou esperança nesses heróis lendários, cuja missão é restaurar os cristais. Guiados pelo poder dos elementos, eles descobrem não apenas a sua verdade, como também a fonte oculta das trevas. Numa lógica cristã, estas são o símbolo do mal, enquanto a luz simboliza constantemente a vida e a salvação. Dessa oposição, que revela a dualidade universal presente também em outras culturas, vem a ideia de que a luz sucede as trevas.

Seres da mitologia em Final Fantasy

O vilão Garland quer se tornar Caos, termo que na mitologia grega significa o Vazio primordial que antecede a criação e a ordem cósmica. No jogo, em contraste com os mitos, o Caos toma forma e quer suceder a ordem. O mundo de Final Fantasy é repleto de monstros, muitos dos quais saíram igualmente dos mitos gregos: minotauros, hidras, esfinges, medusas e quimeras, só para citar alguns.

Também há monstros de outras tradições, como os duendes, trolls, dragões, nagas, múmias e golens. Como vamos descobrir em seguida, esses e outros seres míticos marcam presença nos jogos da série Final Fantasy. Vivem à espreita no mundo, e os encontros com eles são aleatórios, o que virou tradição da franquia.

Leia o próximo artigo desta série em O bem e o mal em Final Fantasy II.

Referências

Bestiary (Final Fantasy) em Final Fantasy Wiki.

Dicionário de mitologia grega e romana (2011), de Pierre Grimal.

Final Fantasy: La leyenda de los cristales (2013), de Pablo Taboada.

Dicionário de símbolos (2020), de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

Final Fantasy Ultimania Archive Volume 1 (2018).

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. A mitologia em Final Fantasy: origens do cristal, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/a-mitologia-em-final-fantasy-origens-do-cristal/. Acesso em: 02/12/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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