Bastet: a deusa egípcia por trás do Pantera Negra

Criado por Stan Lee e Jack Kirby em 1966, o Pantera Negra foi o primeiro super-herói negro dos quadrinhos. Depois de uma longa trajetória nas revistas da Marvel, ele estreou nas telas em Capitão América: Guerra Civil (2016) e ganhou seu filme solo em 2018, tornando-se um dos favoritos dos fãs. (Com a morte precoce do talentoso ator Chadwick Boseman, que deu vida ao T’Challa, seu futuro no cinema é incerto). As origens do personagem estão em Wakanda, um reino africano ficcional com sua mitologia própria. No entanto, veremos que os mitos e deuses desse poderoso reino têm base, sobretudo, na mitologia egípcia. É o caso da inspiração em Bastet para a deusa pantera Bast.

Os gatos divinos no Egito antigo

O simbolismo dos gatos é comum em todo o mundo, mas com a civilização egípcia há uma relação especial. No Egito antigo, a deusa felina Bastet era a benfeitora do homem. O culto a ela, originário da cidade de Bast, no delta do rio Nilo, girava em torno da figura do gato divino, símbolo da força e da agilidade. Enquanto uma deusa protetora, Bastet punha tais atributos à serviço do homem, a fim de ajudá-lo a vencer seus inimigos ocultos.

Figura de bronze da deusa Bastet (c. 945-342 a.C.), Bowers Museum.

A representação mais popular de Bastet é a da mulher com face de gato. Mas sua imagem veio primordialmente da leoa, já que, até o primeiro milênio a. C., a forma de gato não era comum. Filha do deus-sol , a deusa felina herdou a raiva e a ferocidade do pai, traços que permitem a analogia com a leoa. Dos seus próprios filhos, um era Mihos, o deus com cabeça de leão. De fato, Bastet era a protetora dos felinos, tanto os domésticos quanto os selvagens. Uma inscrição da época do faraó Ramsés IV (1151-1145 a.C.) proibia a caça de leões durante o seu festival.

O papel de Bastet mudou na história. No tempo das pirâmides, ela era a mãe e protetora benévola dos reis. Seu lado mais violento aparece em antigos textos egípcios, nas descrições do faraó em batalha. Na Dinastia XVIII (1550-1292 a.C.), por exemplo, os inimigos de Amenhotep II são abatidos em uma estrada, assim como as vítimas de Bastet. No período tardio daquela civilização, seu lugar como deusa felina por excelência preservou o elo com o sol, ao mesmo tempo que abrandava sua face mais cruel – que era a da própria natureza. Ela tornou-se, então, uma criatura pacífica.

Além de Bastet… a pantera negra na mitologia

Sabemos que a pantera negra é símbolo de coragem e força. Não surpreendentemente, devido à sua raridade e poder, esse felino majestoso e solitário ganhou lugar de destaque na mitologia africana. Antes de mais nada, vale lembrar que a pantera negra é um predador noturno e carnívoro. É, sobretudo, um animal raro que habita as áreas com muita vegetação e pouca luz do continente africano.

Ao longo da história, a pantera negra simbolizou o feminino, a mãe e o lado escuro da lua; a escuridão, a morte e o renascimento; o protetor do universo. Não por acaso, esse animal despertou fascínio em várias culturas. Os antigos romanos, por exemplo, o admiravam e traziam sua pele da África para jogos e espetáculos públicos. Já os egípcios o sacrificavam no altar, e os sacerdotes (ou até mesmo deuses, como a “senhora dos livros” Seshat) vestiam seu couro, de grande valor simbólico. De acordo com o Livro dos Mortos, o rei Pepi cruzaria o “teto” do céu com a pele sobre os ombros. Assim, ele estaria pronto para entrar no mundo dos mortos. No Egito antigo, além de Bastet, havia também a deusa pantera Mafdet, cuja ferocidade prevalecia sobre a de outros animais, como as cobras e os escorpiões.

A deusa pantera de Wakanda

Sabemos também que Wakanda é uma terra cheia de deuses, assim como o Egito. Esse reino fictício, situado na África subsaariana, tem um conjunto próprio de mitos que toma como base, sobretudo, os mitos egípcios. A principal divindade do seu panteão é Bast, a deusa pantera cujo nome vem da deusa egípcia Bastet. Ela tem a forma desse animal; por conseguinte, deu origem ao primeiro “Pantera Negra” e à linhagem de super-heróis semi-divinos que vestem seu manto.

Por volta de 10.000 a.C., nas terras que posteriormente ganhariam o nome de Wakanda, havia diversas tribos. Nessa época, um enorme meteorito caiu na região. Para uma das tribos, sob liderança de Bashenga, seu guerreiro mais poderoso, aquele era um presente dos deuses. No momento em que chegou à cratera, o povo descobriu o estranho metal de que era feito o corpo celeste, que serviu para forjar armas. Contudo, a radiação do meteorito também causou um efeito colateral, transformando alguns homens da tribo em “demônios”. Bashenga então pediu ao “Deus Pantera” que o ajudasse a vencê-los. Assim, tornou-se o avatar do primeiro “Pantera Negra” e uniu as tribos locais, formando Wakanda. Sua linhagem governaria a nação por séculos.

Assim como a deusa egípcia, Bast é filha de Rá, de quem herdou o calor solar vivificante. No Egito antigo, de acordo com a Marvel, o culto à pantera se reunia em Bubastis, onde ela ocupava a função de deusa do prazer, da dança e da música. Mas essa é a versão dos quadrinhos, já que a cidade do delta do Nilo, historicamente, era o centro do culto à Bastet. Nesse sentido, a deusa de Wakanda seria uma variação da deusa egípcia.

Referências

The Majestic African Black Panther” (26 de outubro de 2018).

Dicionário de símbolos (2020), de Jean Chevalier e Alain Gheerbrandt.

A Dictionary of the Sacred Language of All Scriptures and Myths (Routledge Revivals, 2016), de G. Gaskell.

The Routledge Dictionary of Egyptian Gods and Goddesses (2005), de George Hart.

Egyptian Myths (1990), de George Hart.

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Bastet: a deusa egípcia por trás do Pantera Negra, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/bastet-a-deusa-egipcia-que-inspirou-o-pantera-negra/. Acesso em: 28/02/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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