Duna: mitologias fantásticas nas areias de Arrakis

Duna, a obra magistral de Frank Herbert foi publicada em 1965. Desde então, a crítica e os leitores aficionados a consideram O Senhor dos Anéis da ficção-científica, servindo de inspiração para outros grandes títulos da literatura e do cinema que vieram após o seu lançamento. É o caso do livro 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), de Arthur C. Clarke, e das sagas de filmes Guerra nas Estrelas e Mad Max.

A narrativa brilhante de Herbert é repleta de alegorias e temas universais. Por exemplo, o perigo das aproximações entre a política e a religião, a junção surpreendente entre a ciência e o misticismo, as questões ecológicas ameaçadas pela ganância de governantes inescrupulosos; além do amadurecimento humano, que culmina na perda da inocência e na descoberta do poder interior do herói protagonista, o jovem Paul Atreides, descendente da dinastia que carrega o seu sobrenome. Paul chega junto com seus pais ao planeta arenoso de Arrakis, pronto para governá-lo.

Uma especiaria valiosa entre as ficções-científicas

Porém, os vastos desertos, a escassez de água e a atmosfera rarefeita escondem um tesouro único, cobiçado por todo o império interplanetário: uma especiaria capaz de aumentar a longevidade humana e que também serve como combustível para viagens espaciais (sim, uma metáfora para o petróleo). O Barão Harkonnen, líder supremo do império, está disposto a destruir toda a Casa de Atreides para se apoderar do valioso composto, ao mesmo tempo que vermes gigantes protegem a substância da intervenção humana em seus subsolos. Em meio ao conflito, os nativos de Arrakis, conhecidos como seres da espécie Fremen, rebelam-se. Eles creem que Paul seja o herói escolhido para libertar seu planeta do imperialismo tirano vindo do espaço, segundo suas antigas profecias.

Além de englobar tantos elementos com maestria narrativa e amplo conhecimento sobre seus temas, a história criada por Frank Herbert se utiliza da ficção-científica e da fantasia a fim de estabelecer paralelos com a realidade. Ainda evoca imagens cinematográficas desde as descrições de suas cenas, que parecem ter sido escritas já se pensando em uma adaptação para a sétima arte. Sendo assim, era apenas uma questão de tempo para que a trama fosse adaptada para o cinema.

Arrakis: Um lugar difícil de se adaptar

Entretanto, Paul Atreides precisou domar mais do que vermes monstruosos para chegar à tela grande com uma adaptação à altura de sua jornada.

Nos anos 1970, Alejandro Jodorowski idealizou uma primeira versão, que jamais foi realizada e cujos bastidores podemos conferir no documentário Duna de Jodorowski (2013). Em 1984, chegou às telas o famigerado filme de David Lynch, do qual o cineasta não se orgulha por conta dos conflitos criativos com os produtores, que detiveram o corte final da adaptação. Finalmente, em 2021, foi a vez do visionário Denis Villeneuve realizar sua versão. O diretor de outras ficções-científicas renomadas, como A Chegada (2016) e Blade Runner 2049 (2017), criou um novo filme que agradou a legião de fãs do livro por entender as nuances da obra original, fazendo dele um sucesso de público e crítica.

Um futuro tecnófobo

Em contraste com outras grandes obras de ficção-científica contemporâneas, os elementos futuristas que a trama explora situam seus personagens em um futuro, na verdade, pós-futurista. Em outras palavras, quando robôs, computadores e inteligências artificiais já se extinguiram há muitas eras, depois de uma série de conflitos contra os seres-humanos. As máquinas foram substituídas pelos chamados “Mentats”, seres que se transformaram em verdadeiros computadores humanos. Eles servem como conselheiros de líderes políticos com sua inteligência e capacidades de se guardar informações avançadas. Portanto, o foco de Duna é na natureza humana de seus personagens e suas complexidades. Isso faz com que sua abordagem sobre o gênero da ficção-científica seja única e inovadora.

Nesse sentido, Duna se aproxima mais do gênero da fantasia, já que no planeta Arrakis vivem criaturas mitológicas como os vermes gigantes subterrâneos. Tais monstros foram livremente inspirados no folclore da Idade Média, como o Verme de Lambton, que protegia as águas do nordeste da Inglaterra. Também há referências a bruxas e feiticeiras na linhagem das Bene Gesserit – da qual Lady Jessica, a mãe do herói Paul Atreides, faz parte –, formada por mulheres capazes de controlar o corpo e a mente de formas plenas. Entre outros poderes das Bene Gesserit, elas possuem uma intuição extrassensorial aguçada e podem controlar outras pessoas alterando apenas o tom das suas vozes.

O legado de Duna

Duna sobrevive às tempestades de areia do tempo e segue fascinando novas gerações com sua mitologia fantástica, finalmente adaptada com compreensão e profundidade sobre seu universo próprio na versão cinematográfica de 2021. A 2ª parte chegará às telas no final de 2023 e promete um clímax apoteótico na batalha final que decidirá o destino de Arrakis.

Referências

Duna (2017, ed. Aleph), de Frank Herbert.

Duna de Jodorowski (dir. Frank Pavich, 2013). Documentário.

Eduardo Biaso

Eduardo Biaso

Eduardo Biaso é cineasta formado em Cinema & Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF - Niterói/RJ), com Trabalho de Conclusão de Curso sobre Watchmen e a Hollywood pós-atentados de 11 de setembro de 2001, publicado pela revista eletrônica Rascunho. Escreve roteiros e contos, além de realizar curtas-metragens e conteúdos audiovisuais em geral.
Eduardo Biaso

Eduardo Biaso

Eduardo Biaso é cineasta formado em Cinema & Audiovisual pela Universidade Federal Fluminense (UFF - Niterói/RJ), com Trabalho de Conclusão de Curso sobre Watchmen e a Hollywood pós-atentados de 11 de setembro de 2001, publicado pela revista eletrônica Rascunho. Escreve roteiros e contos, além de realizar curtas-metragens e conteúdos audiovisuais em geral.

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