Kena: Bridge of Spirits e o folclore asiático

Desde o seu lançamento em setembro de 2021, Kena: Bridge of Spirits conquistou corações no mundo todo. Esse jogo eletrônico do estúdio independente Ember Lab é uma obra-prima em termos de narrativa, jogabilidade e, principalmente, referências às lendas do folclore asiático.

Vamos conhecer esse universo mágico e seus segredos!

Introdução ao mundo de Kena: Bridge of Spirits

Kena: Bridge of Spirits é um jogo de ação e aventura, publicado pela Sony Interactive Entertainment, para PlayStation 4, PlayStation 5 e Microsoft Windows. A história segue os passos de Kena, uma jovem mentora espiritual que guia as almas na travessia para o Além. Essa é a premissa do jogo, ambientado em cenários deslumbrantes. Em sua jornada, a heroína Kena descobre novos poderes e os “Rot”, pequenos seres mágicos que a ajudam a resolver enigmas e desvendar mistérios pelo caminho. Juntos, eles percorrem um mundo fantástico repleto de referências ao folclore e às tradições asiáticas.

Influências da mitologia asiática

A mitologia asiática é fonte de inúmeras histórias e lendas, que ressurgem constantemente na tradição oral e nas artes. Kena: Bridge of Spirits teve forte inspiração no folclore japonês, cujas criaturas – como o tengu, o kappa e o oni – deram base para personagens e inimigos do jogo. Também há elementos de outras culturas, que, sem dúvida, contribuíram com a criação de um mundo fascinante e imersivo.

1. A crença na vida após a morte

A narrativa se passa em um mundo espiritual onde os vivos e os mortos se encontram. Não por acaso, o tema principal do jogo é a crença na vida após a morte. A ideia de que a alma deve atravessar uma ponte ou um rio para chegar no Além é comum a muitas culturas, entre as quais a japonesa, a chinesa e a tibetana. Cada uma delas possui, decerto, suas próprias ideias a respeito do Além. Em Kena, a personificação dessa crença é a “Bridge of Spirits”, isto é, a ponte mágica dos espíritos.

2. Os Rot e os kodama

Os Rot são, inegavelmente, um dos elementos mais cativantes do jogo. Eles lembram beterrabas com olhos grandes, boca pequena, braços e pernas curtos, e cabelo de musgo ou planta. A inspiração para os seres mágicos vem dos kodama da mitologia japonesa. Conforme a tradição, esse é o nome dos espíritos que habitam as árvores sagradas. Em geral, eles são sinais de boa sorte; mas também punem quem desmata – não só a pessoa, como também todo seu povo. De acordo com Shigeru Mizuki, na dúvida de haver ou não um kodama em determinada árvore, o ato em si representa um grande risco.

3. Os espíritos guardiões

Tão importantes na mitologia, os espíritos guardiões desempenham papel de destaque no jogo, por vezes na forma de dragões. Essas poderosas criaturas, que existem nos mitos do mundo todo, são igualmente importantes no folclore asiático, no qual simbolizam qualidades positivas (força e sabedoria). Tudo o que se relaciona a dragões é abençoado no Oriente. Por isso, eles defendem e guiam Kena em sua jornada, o que denota a crença nos seres espirituais protetores e benevolentes.

4. A dualidade do Yin-Yang

O conceito de interação complementar dos opostos é um elemento central na mitologia asiática, bem como na filosofia. O Yin-Yang é o símbolo chinês para a dualidade do universo. Por conseguinte, designa o aspecto obscuro e o aspecto luminoso de todas as coisas; o terrestre e o celeste; o negativo e o positivo; o feminino e o masculino. Em resumo, é expressão do dualismo e da interação complementar, pois um só existe em relação ao outro. Em Kena: Bridge of Spirits, representações óbvias dessa dualidade são os deuses corrompidos, que se revelam como contrapartes sombrias da heroína. Mas a história como um todo explora os opostos, enfatizando a importância do equilíbrio e da harmonia.

5. A estética e as paisagens asiática

Além disso, o mundo do jogo tomou como base a paisagem do Japão, com suas montanhas, florestas e rios. A influência da mitologia asiática em Kena também se manifesta, inegavelmente, na estética e na arquitetura dos lugares que a heroína visita. Afinal, os vilarejos, os templos majestosos e os trajes dos personagens refletem a riqueza da história e das diferentes culturas do sudeste asiático.

Mais do que um jogo

Em resumo, Kena: Bridge of Spirits é um exemplo brilhante de como os videogames se inspiram na mitologia a fim de criar conceitos envolventes. As referências às lendas do folclore asiático dão ao jogo profundidade e estabelecem conexão com essas ricas tradições. A crença na vida após a morte, nos espíritos guardiões e nos opostos que se complementam dá vida a um mundo mágico e tece uma narrativa que encanta os jogadores. Nesse sentido, Kena é mais do que um mero jogo; é uma celebração em forma artística da sabedoria e da diversidade cultural que enriquecem nossas experiências de entretenimento. Comparado pela crítica a outros jogos de ação e aventura, como os da franquia The Legend of Zelda, é uma ótima escolha para os fãs de mitologia, fantasia e cultura pop.

Referências

Interpretação e significado dos símbolos (2021), de Mark O’Connell e Raje Airey.

Dicionário de símbolos (2020), de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

Guía ilustrada de monstruos y fantasmas de Japón (2014), de Sekien Toriyama.

Corpus ilustrado de los Monstruos de Japón (1994), de Shigeru Mizuki.

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Kena: Bridge of Spirits e o folclore asiático, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/kena-bridge-of-spirits-e-o-folclore-asiatico/. Acesso em: 06/05/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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