O simbolismo do pavão em American Gods

Como todos os outros, o episódio 2 da terceira temporada de American Gods traz vários temas da mitologia mundial. No entanto, uma das cenas que mais despertou a curiosidade dos fãs é também uma das mais simbólicas: o momento em que Shadow Moon vê um pavão no meio de um bosque . Não é a primeira vez que essa ave emplumada aparece na série, e ela certamente diz muito sobre o destino do protagonista. Afinal, o próprio título do episódio – Serious Moonlight, que vem da canção Let’s Dance (1983) de David Bowie – já indica a seriedade da jornada de Shadow Moon. Mas o que a cena significa? Para descobrir, vamos conhecer o simbolismo do pavão.

Símbolo do fogo e da imortalidade

O pavão é antes de tudo um símbolo solar, e essa relação vem de sua cauda que se abre em forma de roda. Ao mesmo tempo, ele é o destruidor de serpentes, cuja identificação com o elemento água confirma o parentesco da ave com o sol, isto é, com o elemento fogo, que é o seu contrário. Sendo assim, as cores das suas plumas supostamente vêm dos venenos que o pavão absorve quando mata as serpentes. Isso faz dele um símbolo da beleza, tanto quanto do poder de transmutação e da imortalidade – este último sentido persistiu ao longo da história.

No Islã, o pavão é um símbolo cósmico que representa o universo, a lua cheia ou o sol no zênite. Na tradição cristã, por sua vez, ele simboliza a roda solar (imortalidade) e sua cauda evoca o céu estrelado. Esse aspecto rendeu à ave o apelido de “animal de cem olhos”, pois era símbolo da visão de Deus. No entanto, a sua relação com os olhos é muito mais antiga.

Vaidade em excesso

Símbolo da beleza, o pavão está muito ligado à imagem da vaidade. Não por acaso, era a ave de Hera na mitologia grega. Esposa de Zeus e a maior das deusa do panteão olímpico, ela se enfurecia com a infidelidade do marido. Por isso, perseguia não apenas suas amantes, mas também seus filhos. Vista como ciumenta, violenta e vingativa, Hera é a grande vilã da série Hércules, pois era contra esse herói que dirigia toda a sua fúria.

Na série dos anos 1990, Hera se anuncia como um par de olhos no céu, sobreposto a penas de pavão, e voz ameaçadora. Quando finalmente se revela, no fim da temporada 4, peças de seu traje (o colar de plumas e a capa brilhante) também aludem à ave. De volta ao simbolismo do pavão, dizia-se que sua cauda era imagem dos muitos olhos de Argos, o “vigia” que a deusa pôs junto da sacerdotisa Io. Em American Gods, há uma relação com Bilquis (ou Balkis), deusa do amor e lendária Rainha de Sabá.

O pavão e os orixás

O simbolismo do pavão também existe na mitologia afro-americana. Na religião do candomblé, ele é o animal de Oxóssi — deus caçador, senhor da floresta e de todos os seres que nela vivem, orixá da fartura e da riqueza. Além disso, a cor que o simboliza é o azul-turquesa (a cor do pavão). Hoje, o culto a Oxóssi é muito difundido no Brasil e outras partes da América onde a cultura yorubá prevaleceu. Essa pode ser uma pista, pois os orixás terão um papel de destaque na terceira temporada de American Gods.

Referências

Candomblé – O Mundo dos Orixás (Oxóssi).

Dicionário de mitologia grega e romana (2008), de Mário da Gama Kury.

Dicionário de mitologia grega e romana (2011), de Pierre Grimal.

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Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. O simbolismo do pavão em American Gods, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/o-simbolismo-do-pavao-em-american-gods/. Acesso em: 07/11/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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