One Piece: Luffy é o Rei Macaco da mitologia asiática?

Não é novidade que a cultura pop japonesa mergulha fundo na mitologia asiática, a fim de criar universos fascinantes e complexos. Talvez um dos melhores exemplos seja o Dragon Ball, de Akira Toriyama; mas One Piece não foge à regra, e também se destaca. Com personagens emblemáticos, a obra de Eiichiro Oda é repleta de referências aos mitos, lendas e histórias de diferentes culturas. Enquanto os fãs esperam uma versão em live-action, vamos descobrir a riqueza narrativa dessa franquia!

One Piece: o melhor mangá de todos os tempos?

Um novo mangá seriado surgiu na revista Weekly Shōnen Jump em julho de 1997. Era o início das aventuras do divertido Monkey D. Luffy e sua tripulação de bandoleiros. O garoto magro e sarado, um navegador como os personagens das velhas histórias de aventura, lidera seu bando em busca de um tesouro lendário. Ao longo da jornada, ele e seus “Piratas do Chapeú de Palha” enfrentam bandidos rivais e atraem novos membros para a tripulação. Este é o caso de Tony Chopper, a rena em forma humana, e Jimbei, o homem-peixe. Conforme navega pelos mares, o bando de Luffy esbarra em caçadores de recompensa, criminosos, agentes secretos, soldados, entre outros malfeitores.

A adaptação em desenho animado chegou dois anos mais tarde – e continua em produção até hoje pela Toei Animation. Além dos elogios e prêmios, do público e da crítica, One Piece ganhou a fama de ser um dos melhores mangás do todos os tempos. Em agosto de 2022, atingiu a marca de 516,6 milhões de cópias em circulação no mundo todo, tornando-se assim o título mais vendido da história. Decerto, seu sucesso deve-se à narrativa, à arte, ao estilo, ao senso de humor e à construção de um mundo fantástico.

A ambiguidade moral dos personagens

Além de seres humanos, há seres da mitologia no mundo de One Piece; por exemplo, os anões, os gigantes, os tritões, os homens-peixe e outros animais com forma humana. Também há elementos sobrenaturais, como as Akuma no Mi ou “Frutas do Diabo”, isto é, frutas misteriosas que concedem poderes a quem as come. O poder está nas mãos do Governo Mundial, cuja marinha protege os mares dos piratas e outros criminosos. No entanto, há certa ênfase na ambiguidade moral dos piratas, grupo que inclui tanto vilões cruéis quanto indivíduos insubmissos ao governo tirânico.

A ambiguidade moral das diferentes “facções” evoca a noção chinesa do equilíbrio entre forças opostas e complementares (Yin-Yang). O Governo Mundial e os piratas, por exemplo, são lados opostos da balança, cada qual com sua visão de justiça e ordem. Além disso, One Piece mostra que o poder não é absoluto, mas cíclico. Em outras palavras, impérios e governantes ascendem e depois caem, como prova de que a mudança é inevitável e poder algum dura para sempre. A perspectiva cíclica é um aspecto importante da mitologia chinesa, e sua representação na série dá profundidade e complexidade ao enredo.

A “Grande Rota” e os tesouros da mitologia asiática   

As histórias de pirataria marcaram Eiichiro Oda desde a infância, devido aos programas que assistiu e aos livros biográficos que leu. Isso o fez incorporar aspectos de piratas reais (como o infame Barba Negra) a muitos de seus personagens. Outra grande inspiração foi Dragon Ball, um de seus mangás prediletos. O artista também se inspirou em O Mágico de Oz, principalmente porque não suportava narrativas em que a recompensa da aventura era a própria aventura. Em contraste, decidiu escrever uma história em que a viagem de fato importa, mas o objetivo é ainda mais importante. A jornada de Luffy, nesse sentido, é mais do que uma busca ao tesouro; como resultado, um novo Rei dos Piratas será coroado.

A mitologia indiana deixou sua marca em One Piece. Afinal, a “grande rota” em busca de um tesouro lendário reflete a jornada espiritual pela iluminação, presente no hinduísmo e no budismo. Aquela, assim como esta, é um caminho cheio de desafios e descobertas. A verdadeira recompensa, por fim, pode ser o próprio desenvolvimento humano. Ademais, a representação de figuras divinas ecoa as ricas narrativas indianas, nas quais deuses, semideuses e seres cósmicos têm papéis significativos. A presença desses elementos mitológicos amplia o escopo e adiciona ao enredo uma dimensão espiritual.

Luffy e Sun Wukong: o pirata e o Rei Macaco

Resta saber se a Jornada ao Oeste, de Wu Cheng’em, também influenciou Oda de alguma forma. É certo que esse romance mitológico do século XVI foi inspiração direta para Dragon Ball, o que fez alguns fãs especularem se o mesmo vale para One Piece. Isso porque o nome Son Goku vem de Sun Wukong, o Rei Macaco, e o primeiro nome de Luffy é “Monkey” (“macaco” em inglês); e este personagem, além da sua peraltice, tem braços que mudam de tamanho, assim como o bastão mágico de Goku (o mesmo do Rei Macaco). Mas há em One Piece um Rei Macaco que não é Luffy. Ele aparece no episódio 395, com coroa e um bastão, como líder dos bandoleiros “Coffee Monkeys”.

Além disso, na história de Oda – assim como na de Toriyama –, há vários personagens com formas e atributos de animais. A personificação nos remete à tradição xintoísta que atribui espíritos aos elementos da natureza. Tais personagens, portanto, não apenas enriquecem o enredo, como também evocam a espiritualidade e o respeito à natureza. Nesse sentido, a mitologia asiática desempenha um papel crucial na construção do mundo de One Piece, com destaque para as lendas e criaturas míticas. Ainda que a história se passe em uma terra fantástica (a “Grande Rota”), sua inspiração parece evidente. Elementos da mitologia asiática criam um universo envolvente, que não deixa de cativar fãs no mundo todo.

Referências

“The real pirates in One Piece” (Anime News Network, 05/02/201, por Rebecca Silverman. Em: https://www.animenewsnetwork.com/feature/2016-02-05/the-real-pirates-of-one-piece/.98339

One Piece Blue: Grand Data File (2002), de Eiichiro Oda.

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. One Piece: Luffy é o Rei Macaco da mitologia asiática?, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/one-piece-luffy-e-o-rei-macaco-da-mitologia-asiatica/. Acesso em: 01/04/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

2 respostas

  1. Postagem excelente! Gostei muito da leitura de One Piece a partir da mitologia asiática.

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