Os Borgs de Star Trek: dentro da mente de colmeia

Decerto, os Borgs de Star Trek estão entre dos vilões mais icônicos da ficção científica. Essas formas de vida cibernética (isto é, meio humana, meio máquina) surgiram na série A Nova Geração (1987-1994). Depois, tornaram-se presença recorrente na franquia. Os Borgs vivem como abelhas numa colmeia, não por acaso se mostram como uma praga ou enxame. Seu único objetivo é consumir tecnologia – em contraste com as espécies guerreiras, que buscam poder, riqueza ou expansão política. Fazem isso pela assimilação brutal de suas presas, a fim de melhorar os aspectos biológicos e técnicos de sua coletividade. Sua apatia e falta de interesse por qualquer outra coisa torna esses seres eticamente incorretos para os padrões humanos, conforme veremos.

A mente de colmeia dos Borgs

Os Borgs nascem do processo de assimilação de outras espécies, com implantes de nanossondas que ligam seus cérebros a uma consciência coletiva. A conexão à rede se faz via frequência única e resulta no eco de milhões de vozes, que todos emitem e ouvem. São chamados de “zangões” porque, assim como os insetos, têm comportamento de enxame e “mente de colmeia”. Em outras palavras, têm consciência do todo, não de sua própria individualidade. Por isso falam de si mesmos em terceira pessoa e têm números de série, ao invés de nomes.

Depois da fase de maturação, os Borgs ganham exoesqueleto, implantes oculares, membros protéticos, tecidos artificiais, tubos de assimilação e processadores neurais, cujas interfaces se conectam à mente de colmeia. Seu nome vem de ciborgue, cuja tradução é organismo cibernético (do inglês cybernetic organism), ou seja, parte orgânico, parte biomecânico. As melhorias físicas e mentais anulam a individualidade e ampliam o caráter uniforme, com o propósito de impor obediência. Na verdade, são mecanismos de controle.

A aparência dos Borgs muda de acordo com as espécies que assimilam. Mas, em geral, eles têm a forma de humanoides pálidos, calvos e andróginos, com peças metálicas presas à carne. O conceito de morte é irrelevante para esses robôs-zumbis, já que, ao menor sinal de danos graves, seguem imediatamente para o descarte. Restam apenas suas experiências na consciência coletiva; logo, a mente de colmeia seria uma forma de imortalidade.

Colônia de insetos espaciais

Em Star Trek, os Borgs cruzam o espaço em imensas estruturas em forma de cubo. Nessas naves, que lembram colmeias ou sombrias fábricas, vivem como as abelhas. Incontáveis, organizados, laboriosos, disciplinados e implacáveis, tais insetos simbolizam as massas à mercê do destino. Evocam, portanto, o poder inexorável que rege o cosmos. Ao mesmo tempo, são operários que garantem a conservação da espécie.

A riqueza simbólica das abelhas vem de um duplo aspecto – o coletivo e o individual –, já que a colmeia é a própria coletividade. Nesse sentido, denota a união organizada em prol do grupo, com regras estritas. Assim como os insetos, os Borgs têm uma Rainha, que evoca uma hierarquia e uma cadeia de comando. A Rainha Borg é o nexo e o avatar de todo o Coletivo. Capaz de qualquer coisa para defender seus zangões, ela age com o intuito de trazer ordem ao caos.

Em certas culturas, a abelha é símbolo da ressureição – que seria, no caso dos Borgs de Star Trek, sua metamorfose e seu renascimento protético. Em outras, simboliza a poesia e o intelecto. Não por acaso, os Borgs são arquitetos e grandes estrategistas. Sete de Nove (Jeri Ryan), por exemplo, tem a mente brilhante e um gosto pelas artes, que desenvolve em seu processo de humanização. Ela surge na série Star Trek: Voyager como vilã, mas depois se integra à frota da capitã Janeway (Kate Mulgrew) e deixa o Coletivo, em favor de sua individualidade.

A ética da amoralidade

“Um escorpião andava na margem de um rio, pensando como chegaria ao outro lado. De repente, viu uma raposa e pediu a ela que o levasse nas costas pelo rio. A raposa disse: ‘Não, se eu fizer isso você vai me picar e eu vou me afogar. O escorpião assegurou-lhe que ‘Se eu fizesse isso, nós dois nos afogaríamos’. A raposa pensou a respeito e finalmente assentiu. Então, o escorpião subiu nas suas costas e a raposa começou a nadar. Mas, no meio do caminho, o escorpião picou-a. Enquanto o veneno corria pelas veias, a raposa se virou para o escorpião e disse: ‘Por que você fez isso? Agora você também vai se afogar’. ‘Não pude evitar’, disse o escorpião. ‘É a minha natureza’”.

Chakotay, para Janeway.

Os Borgs são essencialmente amorais, ou seja, não se pautam por princípios. Veem as demais espécies como presas em potencial e, ao passo que não desejam causar dor desnecessária, não hesitam em fazê-lo. Esse é o significado por trás da fábula do escorpião e da raposa, que o oficial Chakotay (Robert Beltran) conta para a capitã Janeway.

Para a mente de colmeia, suas presas não passam de crianças incapazes de tomar suas próprias decisões. Resistir é inútil. Através da assimilação, os Borgs se adaptam e absorvem as melhorias de outros povos. Esse processo eventualmente se dá em escala individual, mas pode engolfar espécies e mundos inteiros.

Em contraste com outros povos, os Borgs não se envolvem emocionalmente com seus inimigos. Tampouco buscam vingança. Pelo contrário, são frios, calculistas e agem como forças da natureza. Apelar à razão ou à compaixão é irrelevante, já que os Borgs desconhecem tais conceitos. Isso se deve à falta de um compasso moral.

A busca pela perfeição

Vimos que, em Star Trek, o único objetivo dos Borgs é consumir tecnologia. Fazem isso com o pretexto de “elevar os níveis de vida” daqueles que “assimilam”, isto é, que consomem. Mas é a busca da perfeição que os move – pela fusão das vantagens de várias espécies, tentam chegar a um estado integrado, homogêneo e “perfeito”. Para suas presas, no entanto, isso não é outra coisa senão a perda de sua autonomia e individualidade.

Mas o padrão dos Borgs é alto. Há espécies que eles não consideram dignas, pela ausência de dotes biológicos ou técnicos excepcionais. É o caso dos androides, os quais veem como primitivos e obsoletos. Ainda assim, nas séries e filmes de Star Trek, a mente de colmeia é uma ameaça real para os personagens humanos. Além dos perigos, conforme vimos, os enxames de Borgs trazem à tona várias relações com os mitos e seus símbolos.

Referências

Dicionário básico de filosofia (1993), de Hilton Japiassu e Danilo Marcondes.

Dicionário de símbolos (2020), de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

The Ethics of the Borg (Geeks by Vocal Media).

Star Trek as Myth: Essays on Symbol and Archetype at the Final Frontier (2010), de Matthew W. Kapell (ed.).

Saiba mais sobre Star Trek

A lenda de Ardra

A comunicação pelos mitos

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Os Borgs de Star Trek: dentro da mente de colmeia, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/os-borgs-em-star-trek-por-tras-da-mente-de-colmeia/. Acesso em: 01/04/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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