Crônicas de R’lyeh: Nas Profundezas da Loucura

Que H. P. Lovecraft inspirou legiões nos últimos cinquenta anos, nós já sabemos. Muitos artistas não apenas deram continuidade à sua obra, em novos livros, filmes, músicas, games e artes em geral, como expandiram de forma brilhante seu universo. Dos livros-jogos Aventuras Fantásticas à série Stranger Things, referências aos seus personagens e cenários de horror se alastram por toda a parte, assim como os tentáculos de seus monstros. E no Brasil, onde o escritor encontra muitos fãs e admiradores, não poderia ser diferente. Por aqui, nos últimos anos, a editora Skript deu novo fôlego aos Mitos de Cthulhu com suas “Crônicas de R’lyeh”. Se nas histórias de Lovecraft o retorno de Cthulhu se anuncia, mas nunca se concretiza, agora temos um desfecho pelas mãos de Douglas Freitas e artistas colaboradores. Vamos conhecer essa criativa homenagem em quadrinhos ao mestre do horror cósmico!

Cthulhu: o Senhor dos Abismos

Antes de mais nada, quem é Cthulhu? Todos, certamente, já viram ou ouviram falar do enorme monstro verde com cabeça de polvo, forma humana e asas de dragão. Assim descrito por Lovecraft, ele é um dos Grandes Anciões (seres cósmicos poderosíssimos), que chegou à Terra há milênios. Desde então, recolheu-se na cidade perdida de R’lyeh, nos abismos do oceano; e, no momento em que despertar, o mundo e da humanidade chegarão ao fim. Ele é, sem dúvida, a criação mais célebre de Lovecraft, que o introduziu no conto O Chamado de Cthulhu, na edição de fevereiro de 1928 da revista Weird Tales. Depois, foi mencionado em vários contos desse e de outros autores. Hoje, seja em South Park, Os Simpsons ou como bichinho de pelúcia, Cthulhu é onipresente na cultura pop.

Nas Profundezas da Loucura: o mundo pós-Cthulhu

Fenômenos estranhos se manifestam, ainda que a maioria das pessoas sequer os note. Como um presságio, Cthulhu enfim retorna e estende seu domínio sobre a Terra. Nesse ínterim, o mundo inteiro sofre consequências catastróficas: da epidemia de suicídios à destruição das grandes cidades, a humanidade colapsa em pouco tempo. Essa é a premissa de Nas Profundezas da Loucura, história em quadrinhos ambientada em um mundo pós-apocalíptico de violência, maldade e loucura.

Nele, várias pessoas se tornaram zumbis comedores de carne humana – aqui, surpreendentemente, as “Crônicas de R’lyeh” encontram The Walking Dead, de Robert Kirkman. Em meio às ruínas, o profeta do caos Nyarlathotep lidera uma multidão fanática que poderia ser uma versão maligna e distorcida do festival de Woodstock. Enquanto isso, nas ruas de uma metrópole decadente, uma mulher negra luta para sobreviver. Junto dela há uma criança misteriosa com capa de chuva amarela, singela homenagem à obra de Robert W. Chambers, outro grande escritor de weird fiction. Com arte e cores de Amaury Filho, Nas Profundezas da Loucura é uma história de Douglas Freitas. A trama, repleta de referências ao horror e à cultura pop, é um deleite para os fãs do gênero.

A Testemunha: releitura de Dagon

Parte das “Crônicas de R’lyeh”, A Testemunha recupera o relato de um náufrago que aportou em uma ilha desconhecida. Lá, ele descobriu o estranho culto a uma estela cerimonial, professado por uma criatura marinha monstruosa, com forma humana. Essa é a premissa de Dagon (1917), de Lovecraft, espécie de pedra fundamental sob a qual se ergueu toda uma mitologia fantástica de horror cósmico. Nas palavras do biógrafo S. T. Joshi, o legado desse conto foi de suma importância para os amantes do horror, da fantasia e da ficção científica. Inspirou muita gente, e continua a inspirar até hoje.

Com arte em preto e branco de Alice Monstrinho, a história de Douglas Freitas é, sobretudo, uma homenagem ao texto original. Começa onde ele termina, então dá um salto de gerações e segue um descendente do famigerado náufrago, que mergulha nos segredos antigos e ocultos de um passado distante. Em virtude de sua obsessão, o homem sofre de terrores noturnos e pesadelos, povoados de imagens de R’lyeh. Logo que entende a dimensão dos horrores ancestrais, a sombra de um mal antigo se revela para ele. Além do posfácio informativo, as “Crônicas de R’lyeh” trazem ainda um “glossário lovecraftiano” com os termos que todos os fãs dos Mitos de Cthulhu precisam conhecer.

Nas Profundezas da Loucura e A Testemunha estão disponíveis no site da Skript!

Referências

I am Providence: The Life and Times of H. P. Lovecraft (2013), de S. T. Joshi.

Nas profundezas da Loucura (2019), de Douglas Freitas e Amaury Filho.

A Testemunha (2019), de Douglas Freitas e Alice Monstrinho.

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Crônicas de R’lyeh: Nas Profundezas da Loucura, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/cronicas-de-rlyeh-nas-profundezas-da-loucura/. Acesso em: 08/10/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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