Sephiroth: cabala em Final Fantasy VII

Desde o início, os temas filosóficos e religiosos fazem parte de Final Fantasy. Assim sendo, é interessante pensar na mitologia por trás do vilão de Final Fantasy VII e como ela se encaixa na trama do sétimo capítulo da franquia. Dono da espada Masamune, o guerreiro lendário Sephiroth é um homem jovem e esguio, de longos cabelos prateados. No game original e no remake, ele é o grande rival da humanidade. Mas, para conhecer suas motivações, vamos desvendar dois temas centrais do game, os quais dão camadas de profundidade tanto ao personagem quanto ao roteiro do game.

Jênova e a Terra Prometida

Em primeiro lugar, no mundo de Gaia há uma Terra Prometida, lugar fértil e repleto de energia Mako. Em seu afã de drenar a energia vital do planeta, a Shin-Ra vê essa lenda com grande interesse. Ao mesmo tempo, a corporação busca a jovem Aeris, a última dos “Antigos” – raça dos Cetra, cujos membros se extinguiram depois que a “calamidade dos céus” caiu sobre o mundo.

Em segundo lugar, a Shin-Ra tem controle sobre Jênova, forma de vida alienígena causadora da calamidade, cujas células usa para criar armas de guerra. Foi assim que a corporação deu vida à Sephiroth, como parte do programa SOLDADO.

O segredo de Sephiroth

O Projeto Jênova foi um experimento científico e militar da Shin-Ra, com base na ideia de que o ser alienígena em questão seria um Antigo. Resultado desse projeto, Sephiroth não tem memórias de sua juventude, sequer conhece sua família ou lugar de origem. Antes de voltar-se contra a humanidade, o vilão admirava aqueles que tinham raízes ou um lar.

Membro de elite do programa SOLDADO, Sephiroth torna-se o herói da Shin-Ra. Durante sua missão a Nibelheim (que é um reino da mitologia nórdica), em flashback controlado pelo jogador, ele descobre a verdade, então enlouquece. Daí em diante, após desvendar suas origens sintéticas e não-humanas, Sephiroth nutre obsessão por Jênova e sai em busca da Terra Prometida.

Conforme vamos descobrir, ambos os temas ligam-se à concepção do personagem. Contudo, à exceção dos flashbacks e da batalha final, as versões de Sephiroth que o jogador encontra são partes de Jênova que tomam a sua forma. Isso porque seu corpo real está se regenerando na Caverna do Norte.

De Malkut a Keter

O nome Sephiroth faz alusão a um dos elementos essenciais da tradição cabalística. Ligada ao judaísmo, ela trata da ascensão do espírito mediante vários estados, sendo o mais baixo o Malkut (o Reino) e o superior Keter (a Coroa). Enfim, os Sefirot são atributos de Deus, cuja atividade descendente manifestam e cuja mediação permite, em contraste, ascender ao princípio. Além disso, é o nome das esferas da Árvore da Vida. Portanto, vamos relacionar o vilão de FFVII a esse sistema místico e aos dois temas centrais do game, que apontei inicialmente e que o definem como personagem.

A princípio, Sephiroth é um experimento genético feito a partir das células de Jênova. Enquanto tal, representa Malkut. Posteriormente, como membro de elite do programa SOLDADO, o vilão se inicia em Keter. Em outras palavras, ele ascende, rebela-se e luta contra Shin-Ra (Malkut).

Em busca da Terra Prometida

No momento em que se volta contra a humanidade, Sephiroth tem a visão cabalística da Terra Prometida. Este termo, na tradição judaico-cristã, trata-se de um centro espiritual que equivale a um Paraíso terrestre. É, também, o objetivo de uma busca igualmente espiritual. A ideia de centro do mundo, um dos temas por trás de FFVII, faz referência à Nova Jerusalém, a cidade santa dos hebreus.

A busca de Sephiroth nos leva a Aeris, a única que conhece e pode acessar a Terra Prometida. Ela é a última “Anciã” – ainda que a tradução mais correta para o termo que define os Cetra seja “Antiga”. Então, com a ambição de renascer como um deus, o vilão aspira alcançar esse lugar lendário. Seu tema musical (“One Winged Angel”, isto é, anjo de uma asa só) faz referência à ascensão a Keter.

O anjo Sephiroth

Em certo momento do jogo, vemos Sephiroth em criogenia na Caverna do Norte. Nesse estado, ele estaria em Daath, a esfera profunda do conhecimento que separa os anjos de Deus. Na sua penúltima aparição no game, vemos que o vilão se tornou um anjo de uma asa só. Isso quer dizer que ele transcendeu de um ser material (um clone) a um ser espiritual – de Malkut a Keter.

Afinal, intermediários entre Deus e o mundo, os anjos são seres etéreos ou puramente espirituais. Ao mesmo tempo, faz sentido Sephiroth ser um guerreiro, já que, na tradição cristã, os anjos formam o exército de Deus e intervêm nas guerras.

Sephiroth tornou-se um dos personagens maiores da franquia. Além disso, é inegável sua influência no vilão ambicioso, cruel, narcisista, sinistro e implacável de Final Fantasy IX. Na trama deste game, Kuja também resulta de uma experiência; é o primeiro Genoma com alma, criado com o propósito de ser o “anjo da morte“. Assim como Sephiroth, ele anseia pelo poder e vai a termos com o seu passado.

Saiba mais em Final Fantasy VII: 25 anos de uma obra-prima.

Referências

Bestiary (Final Fantasy VII) em Final Fantasy Wiki.

Dicionário de símbolos (2020), de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant.

Final Fantasy Ultimania Archive Volume 2 (2018).

Final Fantasy: La leyenda de los cristales (2013), de Pablo Taboada.

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Sephiroth: cabala em Final Fantasy VII, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/sephiroth-e-a-cabala-em-final-fantasy-vii/. Acesso em: 29/03/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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