Assassin’s Creed Odyssey: entre o mito e a história

Kassandra enfrenta a Corça de Cerineia. Imagem capturada pelo autor durante o jogo. Data: 14/04/2020.

Em Assassin’s Creed Odyssey (2018), navegamos entre o mito e a história. A beleza não está só nos detalhes e cenários deslumbrantes. Resultado de cuidadosa pesquisa, a concepção artística do game de fato leva à imersão. Mas o novo título da Ubisoft não apenas reconstrói o mundo grego no esplendor da era clássica, como também é uma representação dele. Assim, traz o pensamento politeísta, mágico-religioso e repleto de misticismo da época. O imaginário é vivo, a crença nos deuses é universal e as lendas são narradas com familiaridade pelos personagens do game. Para eles, são histórias não de um passado não tão distante. Através da interação, os rumos da história vão se alterando.

A “odisseia” à qual se refere o título do game evoca o poema de Homero. Dessa vez, no entanto, não é Odisseu quem se aventura a voltar para casa. Quem faz isso é o personagem jogável (um dos irmãos Kassandra e Alexios, de acordo com a escolha do jogador). Descendente do rei espartano Leônidas, ele sai em busca de suas origens e do paradeiro da família, há muito desaparecida. Atrás dele estão os fanáticos do misterioso Culto do Cosmos, que dão à narrativa uma dimensão conspiratória própria do nosso tempo e do universo de Assassin’s Creed. Embora não exista na mitologia, o protagonista do game enfrenta perigos e obstáculos igualmente “homéricos”.

A importância da História em AC Odyssey

Além dos personagens ficcionais, no mundo de Assassin’s Creed Odyssey há personagens históricos. O historiador Heródoto, os filósofos Sócrates e Demócrito e o estadista Péricles, por exemplo, entre outros, com os quais o jogador pode interagir. Apesar de coadjuvantes, eles têm o papel fundamental de atribuir missões ao jogador. Assim, fazem a história andar. Um personagem importante é Heródoto, nosso companheiro de jornada. A presença do primeiro historiador (pois foi ele o primeiro a tratar os objetos históricos a partir de um método investigativo) é um lembrete da importância da História.

No momento em que Heródoto toca num artefato antigo, assistimos a um flashback. A cena é muito especial, já que o efeito de tocar no objeto e revelar o passado nos remete ao ofício do historiador. Isto é, ao contato com as fontes (que guardam em si o conhecimento) e ao seu “poder” de construir narrativas. A cinemática deixa claro que o historiador é produto de seu tempo. Sua relação com a História também é afetiva e não se limita à mera descrição de eventos passados. Mesmo que muitos desses eventos de fato se desenrolem no game: as Guerras Persas, a Batalha de Termópilas, Leônidas e seus 300 de Esparta.

Os monstros da mitologia

Nesse encontro do mito com a história, também há monstros espalhados pelo mapa. Porém, o mundo de AC Odyssey não é como o de God of War, que tem mais monstros do que gente. Eles tampouco se comportam como os orcs de O Senhor dos Anéis, por exemplo, que andam em bandos. Aproveitando a comparação, as criaturas míticas do game são como a magia em Tolkien – existem, mas discretamente.

Em certo momento, é possível encontrar uma nobre esfinge e testar a sorte com suas charadas. Para a surpresa do jogador, o Minotauro ainda vive nas profundezas do labirinto, nas ruínas de Knossos. Afinal, Teseu não o matou nessa história alternativa. Três Ciclopes e até mesmo uma górgona vivem em lugares secretos. Vamos descobrir mais sobre esses monstros nos próximos posts.

Entre o mito e a História

Como personagens reais e ficcionais podem existir ao mesmo tempo? Primeiro, AC Odyssey é uma história alternativa, que mistura história e ficção. Segundo, não é raro que personagens históricos apareçam em obras ficcionais. Terceiro, na ficção tudo é possível. Inclusive a existência de monstros, já que eles faziam parte do imaginário do antigo mundo grego.

Ora, se para os antigos gregos os monstros existiam de verdade, podemos dizer que eles de fato existiram. Hoje encontramos pessoas sãs, em estado inalterado de consciência, que afirmam ter visto alienígenas, criaturas mágicas da floresta e outros seres do folclore contemporâneo. Se aos seus olhos essas criaturas são reais, elas existem – não fisicamente, mas no imaginário. Todavia, é curioso notar que só o protagonista vê e tem contato com esses monstros. Para todos os demais personagens – exceto aqueles que não sobreviveram para contar história –, eles continuam sendo lendas.

Dentro da narrativa do game, no entanto, a explicação para a existência de criaturas míticas é outra. Está mais ligada à mitologia do próprio universo Assassin’s Creed. Ou seja, à história de ficção científica por trás da trama épica, que explicaremos em post sobre o Projeto Olympos.

AC Odyssey como experiência educativa

Nesse mais recente título da franquia Assassin’s Creed, a viagem entre o mito e a história é uma experiência educativa. Após escolher o personagem e iniciar a aventura, o jogador mergulha na filosofia, na cultura e na arte gregas. Com isso, aprende e entende não apenas as leis, normas e costumes, bem como o imaginário da antiga Grécia. As cerca de quarenta horas para completar o arco narrativo principal e as centenas de missões paralelas levam o protagonista, tanto quanto o jogador, a uma odisseia.

Na tradição dos RPGs, o jogador pode equipar o personagem com armas e armaduras de heróis míticos, donde se conclui que eles de fato existiram. Abençoados pelos deuses, tais equipamentos dão força e atributos únicos. Também é possível seguir os passos de Hércules em uma série de missões especiais que repetem alguns dos seus 12 Trabalhos: o jogador pode enfrentar o Leão de Neméia, o Javali de Erimanto, o Touro de Creta e a Corça de Cerinéia. Animais lendários, maiores e mais poderosos que outros da sua espécie. As referências ao mito, portanto, estão vivas em todo Assassin’s Creed Odyssey.

Referência

Dicionário de mitologia grega e romana (2011), de Pierre Grimal.

Leia mais em A caça aos animais lendários em AC Odyssey.

Como citar este artigo? (ABNT)

REIS FILHO, L. Assassin’s Creed Odyssey: entre o mito e a história, Projeto Ítaca. Disponível em: https://projetoitaca.com.br/assassins-creed-odyssey-entre-o-mito-e-a-historia/. Acesso em: 04/03/2024.

Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.
Lucio Reis Filho

Lucio Reis Filho

Lúcio Reis Filho é Ph.D. em Comunicação (Cinema e Audiovisual), escritor e cineasta especializado nas interseções entre Cinema, História e Literatura, com foco nos gêneros do horror e da ficção científica. Historiador com especialização em Estudos Clássicos pela Universidade de Brasília, em parceria com a Cátedra Unesco Archai (Unb/Unesco), é Coordenador do Projeto Ítaca. Seus interesses acadêmicos e de pesquisa são essencialmente interdisciplinares; abrangem Cinema, Artes Visuais, História, Literatura Comparada e Estudos da Mídia. Escreve periodicamente resenhas de livros, filmes e jogos para diversas publicações.

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